domingo, 4 de novembro de 2007

Podecrer

Havia lido o (inicialmente bom) roteiro do filme Podecrer há uns três anos atrás mas não sei o que aconteceu a ele, pois não se transformou no filme que vi anteontem. Como todos os seus colegas da Conspira, Arthur Fontes filme muito bem (destaque para a câmera de Gustavo Hadba). Mas o resultado, neste filme, deixa a desejar. Apesar das belas imagens e da estética coerente com aquilo que está sendo representado, o filme vai se esgarçando numa trama desprovida de maiores conflitos. Mesmo se pensarmos que a entrada da vida adulta pode vir com poucos conflitos, na verdade aqui eles são indicados, esboçados, mas parece que o filme não tem suficiente interesse neles para ir a funda nas questões. A mais dramática delas, uma gravidez precoce seguida de aborto, é tratada com a superficilidade de uma novela da tarde. Uma pena, pois vê-se que existe um potencial enorme naquele universo tão bem delineado, estéticamente, por Fontes e Hadba. Mas o resultado é uma série de videoclipes (com excelente escolhes de musica, vale dizer) entremeados por cenas que acabam sendo rasas e às vezes até forçadas. O que acaba desperdiçando também alguns ótimos atores, destaque para o trio formado por Marcelo Adnet, Gregório Duvivier e Silvio Guindane.

MOSTRA

Depois de muitas dias vendo um, dois ou três filmes por dia perde-se um pouco a paciência e a exigência do espectador que vos fala fica infinitamente maior. O que fez com que, ao fim da mostra, eu já estivesse saindo antes do fim, em alguns casos, algo raro na minha vida de cinéfilo. Devo confessar que nenhum dos filmes que vi me arrebatou completamente. Mas vi muitos filmes notáveis, para dizer o mínimo. Entre eles: Les Temoins, 4 Meses 3 semanas etc... e Cançoes de Amor. Acho que o cinema francês está em ótima forma. Vi mais três títulos franceses, todos muito acima da média.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

TIM FESTIVAL

Mais uma vez o trabalho me impediu de desfrutar do Tim Festival com a intensidade que ele merece. Ainda assim consegui ver pelo menos um dia, e ainda por cima no Rio. Alguns comentários:
* São Pedro não ajudou em nada a noite de sexta, mas nem mesmo mandando ver na chuva conseguiu diminuir a intensidade da experiência.
* Foi meu primeiro TIM na Marina da Glória. Aprovadíssimo. Pensei que nada se equipararia ao MAM mas na Marina foi show de bola. Ponto pro mise-en-scene colorido, misto de Las Vegas com São João.
* O show de Bjork foi correto. Mas para quem se impressionou tanto com a diva, como eu, ao longo dos anos, ficou aquém das expectativas.
* Anthony and the Johnsons tocaram bem, mas no lugar errado... Numa semi-vazia tenda enorme, onde o publico ia chegando para ver Bjork, sua voz teve que competir com a conversa da platéia mais distante.
* Hot Chip, geniais em disco, carecem de uma performance que empolgue.
* Arctic Monkeys foi pra mim a grande surpresa. Não conhecia e fiquei impressionado com aquela molecada que toca bem pra c..., e incendiou a platéia na noite de sexta.
Como sempre, o clima, o astral, era dos melhores. As tribos todas se misturavam, o clima era de paz e mais uma vez o festival nos orgulha, pois em poucos lugares do mundo existe algo parecido. Parabéns à Monique Gardenberg e sua Dueto, pela organização, e à Mario Cohen e à TIM por acreditar que investir em eventos deste tipo é mais do que propaganda.

sábado, 29 de setembro de 2007

El Pasado

Assisti hoje de manhã a uma sessão de El Pasado, novo filme de Hector Babenco, com estréia prevista para início de novembro. Confesso que estava bastante curioso, pois havia lido o roteiro e falado sobre o filme com o Hector pouco antes de ele começar a filmar. O filme é muito forte e fica (está) comigo, suas imagens me vêm a mente, seus temas me induzem à reflexão constante. Além disso o filme é lindo de se ver, Ricardo Della Rosa (e Babenco, claro)fotografa Buenos Aires com uma autenticidade profunda. O filme exala argentinidade, mas sem tratar especificamente de nada argentino. Ainda assim me vi transportado àquela cidade que amo, onde vivi e onde pretendo ainda viver. A cena do parto é emocionante e certamente o parto mais bem filmado que vi no cinema. Enfim, estou divagando aqui, não é um filme que se digira rapidamente. Um filme para ser revisto e pensado.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Mais "Tropa"

Para usar um termo bem americano, "Tropa" virou um event movie. Sem querer me dar mais mérito do que mereço, mas estes dias vi que muito do que escrevo aqui tem ecoado na imprensa... Sinal de que estamos pensando no filme, e, como eu disse, que ele realmente provoca uma discussão. Eu bato o pé: "Tropa" não é um filme fascista, mas ele esfrega em nossa cara o lado mais podre da nossa sociedade (ops, esqueci Brasília!).
Quanto à pirataria, algumas observações:
* Acho que o filme tinha potencial para algo entre 3 e 4 milhões de espectadores nas salas de cinema.
* Posso estar errado (é bem possível, e saberemos em dois meses!) mas acho que dificilmente passará dos 2 milhões de espectadores.
* Traduzindo em números, se eu estiver mais ou menos certo isso significa um prejuízo bruto em torno de R$ 12 milhões. Portanto, bem mais que o faturado com os supostos 2 milhões de DVD´s já vendidos.
* Quem perde? Não só Padilha, Prado, Zazen & Cia. Perdem todos os que participaram do filme, perdem os distribuidores, os exibidores, o pipoqueiro, a bilheteira, etc... Viram a gravidade do assunto?
* E o argumento da democratização cultural? Acesso de todos, porque a maioria não pode pagar? Ora ora, balela... Ou o filme não vai ser lançado em DVD daqui a 6 meses? E não se pode ratear o aluguel de um DVD (preço de uma cópia pirata) entre vários? E a Globo, não vai passar o filme um dia? Filme com o Olavo de Paraíso Tropical? Ah vai... portanto, quem quisesse veria "Tropa" de graça... Mas do jeito que foi, o cinema brasileiro (e as milhares de pessoas que vivem dele, como este que vos escreve) perderam... e não foi pouco.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Endossando o que eu dizia no meu post abaixo, leiam a carta que Wagner Moura mandou ao Globo: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/09/24/297856410.asp

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Festival do Rio

Acabaram-se as filmagens de 174... ainda me resta muito trabalho pela frente, entrevistas, edição, acompanhar a pós, etc... mas depois de três (eternas) semanas de noturnas decidi que era hora de voltar ao cinema... à sala de cinema. Coincidentemente, no dia em que terminei, às 10 da manhã, uma diária de 13 horas, o Festival do Rio dava seu pontapé.
Desde então continuo no insuportável fuso da noite (dormindo às 8-9 e acordando 4 da tarde) e hoje nem consegui dormir, acho que bateu um cansaço maluco que faz com que as funções vitais fiquem mais malucas ainda... meu corpo doía de cansaço mas a cabeça não parava, e quando parava havia ali um inoportuno mosquito a zumbir no meu ouvida... enfim. Vamos ao festival.
Abertura, uma confusão daquelas, nunca vi uma abertura tão concorrida, quase fui esmagado na entrada. Mas deu tudo certo e então, para um Odeon abarrotado, apresentou-se o filme mais falada do ano: Tropa de Elite. Muito do que senti ao ver foi moldado por uma visão anterior do filme; não, eu não aderi à onda de pirataria, de onde nem meus amigos mais abastados escapam. Coincidentemente, durante o Bafici em Buenos Aires, meu amigo Eduardo, que pilota os fundos da Weinstein para filmes latinos (cuja primeira cria é "Tropa") recebeu o primeiríssimo corte do filme. Por ser eu tupiniquim e falar português (e ele não), chamou-me para que eu opinasse. Situação sempre difícil, pois um primeiro corte é aquela coisa. Ainda assim lembro-me de sair da sala de projeção do Malba profundamente impactado, faltava-me o ar. Sabia que havia ali algo poderoso. Muita coisa mudou, a começar pelo narrador, que deixou de ser a personagem de André Ramiro e passou a ser o de Wagner Moura. E isso não é pouca coisa... ao mesmo tempo em que tornou a trama mais clara, pode ter levantado a bandeira que um punhado de pessoas vêm chamando de fascista. Eu discordo, acho importante não confundir a voz da personagem (que ao narrar, tornou-se principal) com a do filme. Sobre isso leiam a excelente crítica de Eduardo Valente no http://www.revistacinética.com.br/. Isto posto, algumas observações:
- Poucas vezes vi um filme que mexesse tanto com a platéia. As reações à saída do Odeon, e depois, na festa, eram as mais diversas possíveis. Mas eram sempre reações fortes. Uma conhecida produtora revoltou-se, teve gente que saiu do film no meio, outros chamavam Tropa de o melhor filme do ano... algo que estranhei foi o comentário de que o filme glorificava demais aquelas personagens, ou que seria uma ode à tortura. Não sei se teve a ver com as duas versões, já que na anterior, quando não era Nascimento (Wagner Moura) que narrava eu o achei absolutamente detestável. Mas o fato é que eu continuei a achar aqueles homens sem coração, sem muito discernimento e extrapoladores do respeito cívico (as torturas são barra pesada). Mas vi isso justamente sob a ótica inversa: aquela representação fazia com que uma pessoa de bom senso (to me achando isso, aqui) desaprovasse do comportamento daqueles homens, não o sentisse glorificado. Mas parece que estou em minoria.
- Tecnicamente o filme é impecável. O som é dos melhores que já vi no cinema nacional, a trilha, perfeita, e Lula Carvalho firma-se aqui como um talento que nada deve so de seu pai. O elenco em sua quase totalidade, impressiona, e Wagner Moura consagra-se, junto com a novela, como o ator que certamente marcará uma época no audiovisual brasileiro.
- Finalmente, a pirataria... bem, isso renderia um outro post e muito já foi dito. Embora Globo Filmes nenhuma tivesse gerado esta mídia toda, desconfio que no fim das contas os piratas roubaram sim uma parcela do público total. Mas isso só saberemos depois que o filme entrar em cartaz. Agora, é impressionante a quantidade de pessoas que já viram. Saímos depois em grupo, pela noite carioca, e entre nós estava Caio Junqueira, que também brilha em papel de destaque. As pessoas a torto e a direito o saudavem pelo seu nome de Bope: 06. Caio me disse que nunca em sua carreira de mais de 15 anos, onde fez muita televisão (Globo) foi tão reconhecido pelo público. Surpreendente.
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Na sexta fui à estréia de Nome Próprio, de Murilo Salles. Fiquei fã de Murilo quando ele abraçou Árido Movie, filme que produziu com poucos recursos e que fotografou com muita beleza e inteligência. Seu mais novo longa tem momentos muito impactantes, uma interpretação impecável e ousada de Leandra Leal, bons atores (revelados no filme), e uma fotografia digital rica e original. Mas o filme não sustenta suas 2 horas e 10 de duração. O roteiro, que parece tentar demais ser anticonvencional, não dá estofo a tanto tempo. Nem os textos de Averbuck (projetados ad nauseum) e nem mesmo a bela fotografia. Estou certo de que se Salles tirasse 40 minutos de seu filme, teria algo mais poderoso em mãos e com potencial de atingir seu público alvo. Do jeito que está, vai ser mais um filme brasileiro a ficar duas semanas em cartaz.
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No sábado sessão dupla: Nas Asas da Panair, documentário de Marco Altberg, é tocante e belo ao resgatar a história da cia. aérea que provocou paixão sem precedentes, e que foi injustamente aniquilada pela ditadura, numa violência contra as 5000 famílias que lá trabalhavam. Talvez tenha gostado tanto por razões pessoais: meu tio-avô, Paulo Sampaio, a quem minha mãe adorava (era gêmeo idêntico do avô que nunca conheci) foi presidente da empresa por muito tempo, fez dela sua vida e quase morreu junto quando os milicos barbarizaram. O filme é dedicado a ele. Vale conferir nem que seja a canção que Milton Nascimento fez para a Panair, e que Elis gravou.
Corri para o palácio para ver (para mim) o filme mais aguardado de todos: a estréia em longas de ficção do meu amigo querido Chico Teixeira: A Casa de Alice. Nervoso por ele, pela estréia, por tudo, entreguei-me completamente à impressionante obra de Chico, impressionante pela complexidade que se esconde sob a aparente simplicidade. Acho que é dos filmes mais sutís que vi em toda a minha vida. O não dito fala tudo, e o que se diz nunca sobra. Marcos Pedroso na arte e Mauro Pinheiro na foto estão em sintonia absoluta com um elenco totalmente desconhecida mas poucas vezes tão afiados. São atores ali, mas parecem existir MESMO. O filme acaba e você quer mais, e fica em seguida imaginando onde estará aquela gente agora. O que será daqueles meninos, daquela velha adorável e da nossa heroína da vida cotidiana. Palmas e mais palmas para Chico e toda a sua equipe, e para o elenco sensacional encabeçado por uma Carla Ribas em estado de graça....
E chega, preciso dormir!

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

174

Seguem a todo vapor as filmagens de 174, longa-metragem com direção de Bruno Barreto, onde sou responsável pelo making of (junto com a parceira Maria Resende). O longa é inspirado na história (real) de Sandro do Nascimento, que ficou famoso ao "sequestrar" o ônibus da linha 174 no RJ. Está sendo de imensa valia a experiência. É sempre um privilégio poder acompanhar de perto a realização de um filme em que se acredita, e neste caso acho que há potencial para um grande filme. O making of permite também o exercício do fazer cinema, e estou atento para filmar e entregar um filmete que seja mais que uma peça de venda, e sim o desvendar parcial da complexa maquinária do fazer cinema. E Bruno tem sido muito generoso, dividindo sem barreiras a sua própria experiência. Acredito neste filme porque a história de Sandro é emblemática e sintetiza inúmeras questões profundas deste louco país. Qualquer um que tenha visto o estupendo documentário de José Padilha sabe do que estou falando (quem não viu, corra, pois é uma das grandes obras de cinema da retomada). O roteiro de Bráulio Mantovani é bom pra c..., Bruno parece ter encontrado uma linguagem que casa bem com esta história e o ator que faz o papel-titulo arrebenta (o elenco como um todo também).
O meu interesse maior é na possibilidade de aceder a lugares e mundos que, de outra forma, me seriam quase que inacessíveis. A magia de se fazer cinema. Explorar os becos do Rio, nas mais diversas horas, é estar em contato com realidades que só confirmam para mim o quanto estamos alheios. É importante, fundamental eu diria, estar em sintonia com as mais diversas experiências e realidades, sobretudo num país com abismos como o nosso. Acabo de ver Cidade dos Homens. Confesso que me saturou um pouco esta realidade em particular (ou uma amostra de): o morro, o tráfico, etc... Em nada me lembrou o impacto, e o abrir dos olhos que Cidade de Deus me causou, há cinco anos... Bem, cinco anos se passaram e estes temas foram explorados ad nauseum. E meu interesse por eles também. Nos jornais, na literatura, na vida mesmo. E agora estou como que esgotado (não sei se o fato de estar filmando a vida de Sandro diariamente contribua, certamente). O que acontece é que sinto-me responsável, de certa forma, e impelido a fazer algo. Há cinco anos. Ao mesmo tempo sou um cidadão de bem, pago meus impostos, leva uma vida digna e correta, sou responsável pelos males sem fim? Que função posso ter? Ser artista não basta? Às vezes penso que sim, às vezes penso que não, às vezes me canso. Não parece haver solução. Ainda assim estou preparando um roteiro com a minha visão da coisa. Promete.
À margem de ter gostado do filme ou não (acho que esta estética deixou de ser novidade) é notável o impacto que Cidade de Deus e seus realizadores tiveram sobre todo um grupo de pessoas. Trabalhando no 174 isso fica claro pra mim. Criou-se um grupo, sobretudo de atores, que antes não tinham vez. Agora, eles tem esperanças. Tem um horizonte. Mudaram de vida. E à margem de sua representação nas telas ou de qualquer outro mérito, isto já é positivo e já é muito. Fernando Meirelles e sua turma fizeram alguma coisa. Fizeram uma diferença. E servem de exemplo. Como diria Raúl Gil, tiro meu chapéu.

domingo, 5 de agosto de 2007

www.naovoegol.com.br, Não voe ponto.

Já que estamos na época do tema aéreo... Gostaria de tecer mais comentários. Bem, a causa do acidente estreitou-se para o piloto e a máquina. O governo saiu um pouco de cena e infelizmente suas trapalhadas (e o caos aéreo) não abalaram, segundo Datafolha hoje, a popularidade do nosso "presidente do povo". Aquele que há três dias declarou que "não sabia" (do caos aéreo). O que é mentira (há registro de Lula falando sobre o "caos aéreo iminente" em 2002) e mesmo que fosse verdade só iria mais uma vez reafirmar o que já sabemos: temos um presidente que não sabe de nada que se passa à sua volta. Mas sabe TUDO dos governos anteriores.
Mas estou digressando(?) do assunto. Nos últimos meses viajei por todo lado, de todos os meios, e nas principais cias. aéreas brasileiras. Sofri bastante com o caos aéreo e tive problemas sérios com a Gol e a TAM. O que me fez lembrar de minha infância em aviões e aeroportos. Minha vida sempre foi desenraizada. São Paulo é um acaso para onde fui aos dois anos, e de onde estou quase sempre saindo para voltar outra vez. Por isso desde muito pequeno vou à Buenos Aires (onde mora a maior parte da minha família), ao Uruguai (lar doce lar de verão) e Rio, onde nasci, tenho família e eventualmente trabalho. Com os anos acrescentaram-se as viajens intercontinentais, constantes quando vivia nos EUA. Mas na infância o que me salta à memória é o quanto era agradável pegar um avião. Pra mim era um dia todo especial, ainda hoje é. Por mais que eu viaje mais e mais, que os trabalhos e lazer dividam-se entre cidades e países, uma estranha melancolia se apodera de mim quando vou viajar- mesmo que seja uma ponte aérea. Acho que carrego comigo a sensação de que deixo algo, que alguma coisa se termina- eu diria que é mais um daqueles momentos onde sutilmente se manifesta a passagem do tempo. E simultaneamente vêm um frisson do novo, do desconhecido, do que nos espera naquele outro lugar qualquer. Quando criança, tudo isso era realçado pela inocência, pelos tempos diferentes da infância, pelos tamanhos (tudo é maior e demora mais quando se é pequeno).
Me vestia sempre com a melhor roupa para pegar um avião, era como se fosse uma ocasião de gala. Preparava com cuidado meus "pertences pessoais". Depois sofria com meus pais, sempre atrsados e chegar ao aeroporto era um rally urbano cheio de tensão e ansiedade. Mas depois tudo era gostoso: a livraria do aeroporto, entrar no avião, voar e ver tudo pequininho lá embaixo... Me irritava às vezes porque sempre demorava pra chegar. Um vôo de 2:30h até o Uruguai tornava-se um fastídio depois que o almoço era servido. Hoje os vôos me parecem adeqados... e nos permitem um tempo de leitura, contemplação e pensar. Uma pausa do ritmo acelerado da vida.
Os assentos não eram maiores só porque eu era menor. É sabido que as empresas vêm acrescentando fileiras e mais fileiras à classe econômica (que é onde eu viajo) e em algumas delas é um malabarismo achar posição confortável no assento (idaí que eu sou bem alto?). E a comida? Hoje, quando existe é quase sempre intragável. Mas eu lembro do prazer de comer aquele sanduíche de presunto e queijo, com queijo em cima, que eram servidos na ponte aérea da era Electra. E de sobremesa um delicioso bolinho de coco. Para o Uruguai, tinha bife com aquele arroz amarelo, e toda vez eu me perguntava como podia ser amarelo o arroz. E o electra? Que maravilha de avião! Eu estava sempre torcendo para embarcar num dos aparelhos que tinham uma salinha atrás. Mas minha mãe gostava da primeira fila (que, invariavelmente, tem mais espaço pras pernas-- hoje em dia eles bloqueiam, para deficientes e crianças, mas chegando na hora e pedindo-- ou entrando por último no avião, sempre sobra).
A Varig sempre foi motivo de orgulho. Sofri mesmo com sua decadência econômica, mas a Varig nunca perdeu a pose. Em meio ao caos é a única empresa que ainda sabe tratar o passageiro. A Gol, ok, democratizou a aviação. Mas precisa contratar um megalote de funcionários subnormais, subnutridos e subpreparados, que nunca sabem responder a pergunta alguma ou responsabilizar-se pelos problemas dos passageiros? Eu achei que fosse uma exclusividade da Gol, mas descobri outro dia ser da TAM também.
Fui remarcar uma passagem para Buenos Aires. Telefono para o call center. A pessoa que me atende, evidentemente não sabia se era possível remarcar, que taxa existia, etc. Me deixou uma hora esperando, enquanto falava com o supervisor (e vc. fica ouvindo aquela gravãção insuportável!). Voltou e disse que sim, eu poderia remarcar pagando uma taxa e que esta teria que ser paga no mínimo 5 horas antes do embarque. Não pode deixar 2 horas, a pessoa pagando no aeroporto? Não, não pode. Lá vou eu, rush hour, para uma loja da TAM. Chego lá e a moça diz que não, que minha passagem não permite alterações. Antes, ela não achava meu bilhete. Eu havia levado apenas o localizador e ela não encontrava (a do call center deve ter dado errado). Eu falei, ok, deixa eu pegar no meu email. "Não temos internet aqui", ela mentiu -- e eu vendo o explorer bem na fuça. Eu insisti, ela pediu pra chefa que disse que não. Eu pedi pra chefa, Iumi, e ela disse que "eles não permitiam"... enfim, coisa de corporação. Minha paciência no limite, achou meu bilhete, disse que não podia. Eu reclamei, que no call center podia, tinham feito a reserva, etc... aí ela disse que precisava de autorização de um superior do call center... Foram ouvir a gravação da minha conversa! Pra encurtar, o trâmite demorou duas horas, porque nesse esquema corporativo ninguém pode assumir um erro, tudo precisa de sinidcância e foda-se o passageiro. Para cúmulo, no dia seguinte, ao embarcar, saímos de uma sala sem finger, ou seja, tivemos que subir no ônibus para nos levar ao avião. Como de praxe, esperei que todo mundo subisse no ônibus, fiz uma horinha e então subi. E lá ficamos, eu e mais uns 30 passageiros, por (juro) quinze minutos com a porta aberta num frio de 10 graus da manhã de SP. A mioria de pé, crianças e idosos inclusive. Eu me irritei (tava por aqui com a TAM) e fui falar com o funcionário da empresa. O babaca fez arzinho de superior e mandou entrar de volta no ônibus. Mandei ele praquele lugar.
Viajar de avião virou isso... uma humilhação, uma perda de tempo, enfim, um saco... Que pena!

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Acidente, Governo & Outros

Algumas coisas básicas que precisam ser ditas sobre o acidente: Trata-se, obviamente, de uma fatalidade. Seja lá qual for a causa maior, não houve intenção (a não ser que se tratasse de um piloto suicida numa cruzada contra a TAM) de ninguém (governo, TAM, pilotos, Airbus) em que aquela aeronave se espatifasse ali. É natural, porém, que a sociedade, frente a uma tragédia desta magnitude, busque responsabilizar os "culpados", para aliviar o trauma, e queira saber as "causas", para que fato semelhante não volte a acontecer.
Quanto às possíveis causas, estas já foram debatidas ad nauseum pela imprensa, pelos botecos, por São Paulo e o mundo. Tudo indica, ao meu ver, que foram várias as causas e que, somadas, propulsaram a tragédia. Acredito que nenhum fator, isoladamente, poderia ter causado um acidente daquela proporção. E quais são? O reverso: comprovadamente um avião pousa sem ele, em congonhas, com chuva. Mas numa situação de emergência estar sem o reverso pode ter sido crucial. Não o bastante para justificar o gesto ridículo do assesor de Lula e ex-presidente do PT, Marco Aurélio Garcia. A Pista: Já sabemos que a pista é problemática. O que me chocou mais, foi saber ontem, pelo Fantástico, que a pista ficou mais curta ainda com a construção de um hotel a 600m da cabeceira... hotel de 11 (?!) andares. O que faz pensar, só no Brasil pode haver alguém tão estúpido que se disponha a construir um hotel na linha de choque de uma cabeceira de pista movimentada (imagine, além do perigo, o barulho!) e só no Brasil um orgão governamental qualquer que aprove semelhante barbaridade. O imbecil que o construiu indubitavelmente amargará um fracasso financeiro daqueles, isso se não derrubarem o prédio.
O piloto: este certamente vai pagar o pato. Está morto, não tem poder. Será um prato cheio para que a TAM, a Infraero, a Anac e outros usem como bode expiatório. O piloto, aparentemente, fez tudo certo. O avião tocou o solo no lugar certo e na velocidade certa. O que aconteceu depois é um mistério, que talvez seja decifrado pelas caixas-pretas (que na verdade são laranjas). É possível que, numa situação de emergência, ele tenha se enganado. Por exemplo, no caso de algum problema com os freios e pensando que não conseguiria parar o avião ele pode ter preferido arremeter tarde demais fazendo com que o avião explodisse no prédio quando poderia ter caído ao final da pista a uma velocidade menor, talvez matando os comandantes mas não a todos os passageiros. Teremos que esperar para saber.
O governo... bem, o governo... qualquer um que tenha viajado no último ano neste país sabe a trapalhada que é (e isso tudo ficou exposto no acidente da Gol, certamente vêm rolando a muito mais tempo). Num país de tamanho continental, mal servido por rodovias e transporte terrestre em geral, o crescimento da aviação foi uma bênção para toda uma parcela da população menos absatada que passou a voar nos últimos anos. Mas este privilégio virou pesadelo. Além do perigo eminente, hoje é mais conveniente pegar um carro de SP ao Rio, mesmo com os perigos da Dutra, do que arriscar-se a ficar seis, sete horas para chegar de um aeroporto ao outro (e agora, também com perigo!).
Os lulistas em geral adoram criticar a imprensa. Pois bem, agora mais que nunca há um consenso nela da incapacidade absoluta do governo de lidar com uma situação destas. Os lulistas dirão que há uma conspiração. Claro, tudo parece mais simples se visto desta forma. Mas não é bem assim. O presidente parece ter um problema sério em demitir qualquer um de seu grupo. O ministro da defesa demonstrou n vezes sua incompetência. A infraero é um desastre e está empestadada de corrupção. Congonhas ganhou uma vistosa e cara bombonierre antes que chegassem à conclusão gritante de que a pista precisava de reformas. A pista é entregue sem as ranhuras. Minutos antes da queda do avião, os técnicos da infraero liberaram a pista (depois de alertas de pilotos) sem de fato medir a lâmina d´água. Medir pra que? Eles não sabem tudo? E assim vai.
O presidente da Anac continua lá (foi condecorado inclusive!). O da infraero também. Waldir Pires agoniza. E Lula cala-se. Deeveria ter seguido o exemplo do governador Serra, que algumas horas após o desastre encontrava-se in loco para acompanhar os trabalhos e informar a população. Mas não, escondeu-se na granja do torto e apareceu três dias depois num comunicado piegas e populista, como é de seu costume. Nada pode arranhar a imagem do presidente. Em última instância, ele não deve ser responsabilizado. Por nada. Parece que no Brasil as coisas funcionam assim.
Quanto às trapalhadas... estamos tão acostumados que esquecemos. Mas vale lembrar a da ministra-botox, que virou piada de mal-gosto nos últimos dias ("Relaxa e morre"). E Garcia? Que papelão. Não foi capaz de fazer um pedido de desculpas. Sua justificativa reitarava a crença dele de que sua reação ao noticiário era válida. Vergonha... onde anda Boris Casói? A imagem que este governo passa é de que nada, nem uma morte, nenhum descaso, nenhuma tragédia, nada é mais importante do que a imagem do presidente e sua consequente posição de poder.
Vale lembrar que o stress que vêm passando os pilotos certamente foi uma das causas. E este stress é gerado pela incompetência dos controladores e o medo que ela causa. Sexta-feira vários aviões que vinham para cá tiveram que retornar aos EUA ao constatarem que sobre a Amazônia havia um imenso buraco negro (causado por mais uma pane no Cindacta!). Nenhum sinal, nenhum rádio, nada. A sorte é que eles ainda voavam sobre Cuba, Venezuela ou qualquer republiqueta bananeira similar (onde os radares funcionam). Porque, se estivessem voando sobre o Brasil naquele momento certamente entrariam em pânico. Isto é o Brasil, hoje.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Recordações presentes de um passado futuro

Hoje decidi escrever sobre algo que nada tem a ver com Cinema, artes, política ou coisa parecida. Aos meus 2(?) leitores que buscam isso, consultem os blogs de Kleber Mendonça, Rafa Gomes ou Cinética que indiquei em outro post. Hoje quero falar de meus ancestrais.
Não conheci nenhum dos meus dois avôs. Convivi até os dois ou três anos com meu avô paterno mas me vêm apenas a lembrança da imagem de um velho senhor numa cadeira de rodas, numa das muitas e amplas salas do apartamento onde ele morou com minha vó Mercedes. Dizem que, apesar da doença dele (Parkinson- já no fim) chegamos a ter algum intercâmbio- de afeto, palavras, não sei explicitar. Meus tios contam que certa vez eu irrompi na sala onde eles estavam, assustado, berrando "Vovô falou! Vovô falou!". E que eu, quando chegava na casa dos meus avós, logo tirava meus carrinhos de uma malinha e punha-me a trafegá-los pelo corpo inerte do meu avó (e não sei que reação provocava nele). Minha avó Mercedes, mulher deste, eu conheci bem. Éramos muito amigos. Passei inúmeras férias de inverno morando no seu apartamento em Buenos Aires (primeiro aquele enorme, com muitas salas, que me assustava um pouco- depois um mais charmoso na Av. Alvear). Em muitas destas ocasiões éramos eu e ela. Não esqueço nunca de um filme trash sobre marcianos com forma de lagartos que vi na cama com ela. Devia ter uns 5 anos, e aquelas imagens me apavoraram por muito tempo ainda. Lembro também que jogamos infinitas partidas de gamão e de jackete, um jogo praticado no mesmo tabuleiro e com as mesmas fichas mas completamente diferente. Até hoje nunca conheci alguém que não fosse da família que soubesse da existência do jackete (mas sei que não é invenção dos Braun). Vó Mercedes parecia uma criança quando perdia, e amargurada, se via obrigada a pagar-me os poucos dólares que apostávamos.
Minha vó Mercedes foi uma mulher bela e muito, muito distinta. No fim de sua vida sentia-se sozinha. Gostava de ficar horas ao telefone mas seus filhos não tinham muita paciência. Ela sempre me dizia que eles ficavam pouco quando iam visitá-la. Mas tinha um amor incondicional por todos eles. E adorava os netos, que, com meus primos, dividimos em dois grupos: os preferidos e os não preferidos (eu estava no primeiro). Os preferidos ela eventualmente levava para viajar (acho que foram umas três primas para a Europa) e dava presentes. Os outros ela criticava em segredo para nós ("Fulana está gorda!" "O namorado de sicrana se droga"). Quando falávamos do tal namorado (que, me enganei, era de uma das preferidas, minha prima Josefina, que Deus a tenha) ela me dizia que ele era um drogadicto (como se diz na argentina). Ao que eu, do alto de meus 17 anos respondi, "Mas vó, ele só fuma maconha". "Isso pra mim é droga", respondeu ela, em fúria.
Enfim, tínhamos uma relação aberta e de muita camaradagem. Sei de muitos dos segredos familiares graças a ela, que me os contava quase que sem restrições. Era com vó Mercedes que eu trocava cartas quando fui morar fora. E já no fim da minha estada de 5 anos nos EUA é que vó Mercedes faleceu. Um dia recebi uma ligação do meu pai, dizendo que ela estava muito mal e que seria melhor que eu fosse à Argentina. Liguei imediatamente para a Varig, torrei todas as minhas milhas e no dia seguinte empreendi a longa viagem da Califórnia à Argentina. Fui direto ao hospital mas ela estava inconsciente, toda entubada, respirando com a ajuda de aparelhos. Mesmo assim fui tomado por uma ternura extrema, e meu coração se apertou. Na sala de espera revia meus primos e tios tão queridos, e de tempos em tempos ia ao quarto espiá-la, na sua agonia dormida para preencher os pulmões com ar. Numa destas idas, ao pé do leito, ela deu seu último suspiro. Fui a única testemunha. Não havia aquele barulhinho de marcapasso típico de filmes, apenas o silêncio. Meus olhos encheram-se de lágrimas, apesar de sentir dentro de mim uma serenidade quase celestial. Encontrei-me com um primo no corredor e suspirei "Vovó partiu".
No dia seguinte carregamos o caixão dela, acho que seis de seus netos, todos belos homens feitos que a enchiam de orgulho. Estávamos todos alinhados, em ternos escuros, e tínhamos os olhos marejados. Ao passar pela portaria, o porteiro, daqueles argentinos elegantes, apesar de origem modesta, nos dirigiu um olhar também marejado. Imagino que nunca devem ter trocado mais do que um punhado de palavras por vez. Mas que a dignidade e o afeto os uniam mesmo assim. No dia seguinte haviam muitos avisos funebres, cheios de carinho (na Argentina existe esta tradição, entre pessoas da sociedade, de colocar avisos fúnebres).
Com minha avó Antônia, ou vó Tuninha, como a chamamos, a relação foi outra. Intuí desde cedo que não estava no grupo dos preferidos. Ainda assim, ela era mais carinhosa e expansiva que vó Mercedes. À primeira vista era o arquétipo da vó: Os cabelos brancos, com mechas de cinza, sempre penteados cuidadosamente numa espécie de coque. Elegantíssima, vestia tailleurs clássicos, sempre com algum lenço no pescoço ou alguma jóia. Nada ostensivo, mas reconhecia-se de imediato estar diante de uma mulher de classe e fibra. Até hoje gosto de espiá-la quando, de manhã cedo, faz seu penteado em frente à penteadeira antiga que tem em seu quarto, na fazenda onde mora metade da semana. Ou vê-la sentada, uma vez por semana, sob um daqueles aparelhos enormes (e no caso dela velho) onde as mulheres enfiam a cabeça, sabe-se lá pra que.
Impossível falar de vó Tuninha sem falar das coisas que a cercam. A começar pela tal fazenda, a Gruta, onde íamos sempre passar um feriado ou outro por ano. Uma casa de 1828, mobilidada como tal, tem-se a sensação de estar em outro tempo. E minha vó é de fato de outro tempo. Hoje com 89 anos, portanto nascida em 1912, ficou orfã aos 4 meses. Foi criada pelo avô, portanto por alguém que nasceu na médade do século retrasado! Isso não faz dela necessariamente uma pessoa antiquada. Na verdade, contraditória pois ao mesmo tempo em que preserva valores ancestrais, foi uma mulher à frente so seu tempo. Sempre. Herdeira desde o berço, aprendeu a administrar sua fortuna e as contas familiares, já que meu avô, que não conheci, era um aviador aventureiro e apaixonado. Ficou víuva dele muito cedo, antes dos 60.
Mudou-se de volta para Pelotas com a missão de retomar a administração de suas estâncias e salvá-las da ruína. Acordava cedo, montava em seu cavalo e ia para o campo junto com os peões, a quem ordenava com autoridade. Sendo o Rio Grande do Sul uma província machista por excelência, não deve ter sido fácil para ela impor-se no meio da agricultura e da pecuária, tradicionalmente um meio masculino. Mas nesta como em outras empreitadas, ela teve notável sucesso e provocava em seus empregados um misto de temor, respeito e afeto digno de um patriarcado caudilho.
Quando eu me dei por gente ela já não era esta mulher do campo, entregue então à administração da filha caçula, mas ainda assim era uma máquina de trabalho. Sempre às voltas com alguma coisa, fosse a restauração do museu local, uma grande recepção para um ministro ou a construção de alguma casa de filha ou funcionário. Sua casa na estância ainda é um ponto de referência em Pelotas. Só do meio artístico conheço uma dezena de pessoas que em algum momento foram recebidas por ela. Outro dia mesmo Paulo Autran me confidenciou, no camarim do Cultura Artística, que Antoninha havia oferecido a ele um dos almoços mais deliciosos de sua vida. Porque, além de tudo, é uma cozinheira de mão cheia. Até Ana Maria Braga foi parar na fazenda, com seu papagaio (quem quiser tenho uma história ótimo de minha vó com o papagaio!) para gravar diretamente da matriarca a receita do seu delcioso potinho, um doce feito com ovos e chocolate. Entre muitos filmes que lá foram rodados destacam-se O Negrinho do Pastoreio, com Grande Otelo, um da Xuxa e Mauá. Ela hospedou na casa Malu Mader e Paulo Betti. Deste, me disse "um homem extraordinário. Pena que seja petista".
Nos últimos tempos passei a conviver mais intimamente com vó Tuninha. Há mais ou menos uma década, quando chegou aos 80, ela dividiu, tal qual Rei Lear, suas terras em três partes, uma para cada filha. Como minha mãe não morava lá e era alvo de uma desconfiança enquanto à sua capacidade de gerenciar a parte que lhe cabia, vários administradores contratados por minha vó sucederam-se no mando do campo. Chegou a hora em que minha mãe decidiu tomar as rédeas da situação e intimou-me a ajudá-la. Senti que havia uma urgência e importância em seu chamado que fez com que deixasse temporariamente meus projetos artísticos de lado e me dedicasse, em meio período, aos assuntos do gado, da soja, das galinhas, enfim, da terra. Todo mês tenho passado uma semana ou 10 dias por lá e invariavelmente fico bastante tempo a sós com vó Tuninha.
Esta convivência tem sido extremamente enriquecedora e sei que as lembranças destes tempos acompanharme-ão até o fim da minha vida. Pois estou testemunhando de perto o fim de uma vida intensa, permeada de história e com elementos dignos de um romance de Somerset Maugham.
Vó Tuninha, nos últimos dois anos, caiu duas vezes e quebrou ambos os lados do fêmur. Hoje, sua mobilidade está bastante restita. Precisa de alguém que a ajude a levantar (da mesa, da cama, do sofá, do carro) e caminha lentamente, apoiada num andador. Isso a deixa visivelmente aflita. Para alguém que sempre teve poder, depender de outros para exercer seu direito de ir e vir parece ser uma condena implacável. Além da mobilidade física, ela vêm perdendo, aos poucos, o que se chama de lucidez. Vez por outra ela diz alguma coisa absurda (embora isso seja recente e venha em rompantes que passam). E em seguida pode dizer algo da mais cruel e absoluta lucidez. Pois sua doçura, aparentemente sem fim, é permeada, entre os íntimos, por observações cortantes sobre aqueles que a cercam. Estas vêm em rompantes que beiram a fúria. E eu, por ser alguém que não teme assuntos pôlêmicos (pelo menos não com as minhas avós) já fui testemunha de inúmeros. Já cheguei, inclusive, a provocá-los, divertindo-me em segredo.
"E fulano, vó?"
"Ah, que horror!" exclama ela, com sua inconfundível voz aguda. "Nojento! Fulano é um nojento", grita ela, com cara de asco. E eu rio internamente.
Nem sempre, porém, estes rompantes são agradáveis. Há, entre minha vó e minha mãe, uma tensão sutíl e permanente, fruto de anos de desentendimentos. E entre elas já fui testemunha de rompantes que prefiro não lembrar.
Vó Tuninha é uma personagem fascinante. Intensa, contraditória, amável e ultimamente terna como nunca. Nestes últimos tempos é como se, de súbito, me tivesse revelado toda a sua carência e vulnerabilidade frente ao que evidentemente é o final de sua vida. Desde pequeno a ouço dizer que quer ir embora (do mundo), que já está velha. Mas o que ela dizia sempre parecia incongruente perante aquele colosso (para usar uma palavra dela) de mulher, forte, altiva. Agora, suas palavras parecem verdadeiras.
Ao mesmo tempo em algum recanto meu suspeito que não sejam inteiramente verdadeiras. Quem quer realmente partir deste mundo, salvo os suicidas?
Mas ela parece estar indo aos poucos. E ser testemunha disto me enche de tristeza e ternura. Vejo como ela ainda busca ser útil ao mundo, sempre com uma sensação de dever a cumprir, enquanto costura qualquer coisa. Passa horas e horas arrumando fronhas antigas. "Não se deve desperdiçar as coisas", ela me diz.
E me conta histórias, fala da beleza do Rio Grande (como ela chama o Rio Grande do Sul), terra de homens valentes, justos e dignos. Nada pode lhe dar mais prazer do que qualquer coisa associada à sua terra com suas tradições. Só tia Rita.
Tia Rita, sua filha mais velha e descaradamente preferida, parece ser a única pessoa que a traz imediatamente ao presente. Que a distancia de seu passado longo e cheio, ou de seu futuro curto e incerto. É notável e comovedora a afinidade entre as duas.
Assim sendo tenho tido mais prazer quando vou a Pelotas. Em meio a reuniões com contador, advogado, fornecedores e demais adentro ao microcosmo que é a casa da minha avó. Com ela converso, tomamos chá (pontualmente às 5) e assistimos televisão. Vemos a novela, já que outra de suas alegrias é ver minha irmã, ao vivo ou na TV. E ela é a crítica mais ferrenha do trabalho de minha irmã. Certa vez, quando esta desempenhava seu primeiro papel na rede Globo, uma secretária de escola, minha avó desabafou:
"Fico furiosa com a Rede Globo. Como pode colocar a Guilhermina pra entrar, dizer qualquer bobagem e servir um copo d´água?".
Outro dia vimos Brokeback Mountain. Ela prestou atenção do início ao fim e compadeceu-se com aquelas figuras que chamou de tristes.
E assim nos tornamos mais próximos. Outro dia, quando fui lhe dar boa noite, ela me puxou e disse: "Meu Charly, fico tão feliz de estar te conhecendo melhor".
Mais uma das muitas lições que vó Tuninha há de me deixar: Nunca é tarde demais.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

RAPIDINHAS

Ando atrasado com estes posts... com relação à capa da VEJA de umas três semanas, a polêmica dos gêmeos negros (?!) eu ia escrever antes da polêmica instaurar-se. Para dizer que é absolutamente imprescindível a leitura de "Não Somos Racistas", de Ali Kamel, que ilustra bem o cenário que possibilita a aparição de episódios lastimáveis como este, o dos gêmeos. E conta sua história, da onde vêm tanta burrice endêmica. Que na verdade foi idéia de nosso ex-presidente FHC amplamente adotada por Lula. Desta vez VEJA acertou, temos que admitir. Mas leiam Ali Kamel. Ainda temos salvação (este país sempre terá salvação, há 500 anos!)
*
É incrível como ainda acreditamos na salvação do país. Lastimável a situação no Senado, aquela casa de escroques que coloca figuras tão obviamente pilantras como José Sarney, Jader Barbalho e agora Renan Calheiros em sua presidência (ops, esqueci ACM!). Será possível que temos que nos contentar com Clodovil, que pelo menos nos diverte um pouco? Triste.
*
Venho de uma trinca poderosa de filmes, todos muito diferentes: o alemão A Vida dos Outros (este vi no Uruguai, acho que ainda não estreiou por aqui -- foi o vencedor do Oscar de filme estrangeiro), o polêmico Zodíaco (que flui muito bem para suas quase três horas, mantendo o interesse até o fim) e o espartano Cão Sem Dono. Beto Brant surpreende sempre. Para o bem (embora não seja fã de Crime Delicado).

segunda-feira, 28 de maio de 2007

notinhas

Aos meus... 2, 3 leitores? Estou no sul do Brasil, quase na fronteira, representando, agora, a personagem do estancieiro... só que desta vez na vida mesmo, não na ficção. Fora o frio (acho que agora 2 graus) a experiência não podia ser melhor. Aproveito para postar algumas notinhas: primeiro, meu agradecimento também a Carolina Scheinberg, outra anfitriã supimpa que me acolheu em NY
*
BLOGS: Não sei postar links (vergonha) mas queria recomendar o blog de Lucas Longo (tecnologia), de Rafael Gomes (procurar blog do jornal JB) e dos críticos da internet (de cinema), que eu diria (cafonamente) que estão na vanguarda da crítica cinematográfica. E que estão atentos ao nosso cinema. São eles: Revista Cinética, Cinemascópio (de um dos meus curta-metragistas favoritos no mundo) e Cinequanon... Acessem Google. Boa noite.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

3X1- TRIBECA & OUTROS

Caros leitores (devem ser 4 ou 5!)me desculparei pela demora em publicar novos posts publicando um 3 em 1... São tantos assuntos.
Comecemos pelo festival de Tribeca. Posso dizer sem falsa pretensão que Do Mundo Não Se Leva Nada fez muito sucesso no festival. Tendo participado de vários ao longo dos anos, me dei conta de que a receptividade do público a este filme, pelo menos lá, era maior que de costume. Acho que o público americano (quero acreditar que sofisticado, não só por ser um público de Manhattan, mas por ser um público que vai assistir a curtas num sábado às 2 da tarde, entre outras sessões) sabe apreciar uma boa história, bem contada, com narrativa clara e todos os elementos trabalhando em prol da história. E meu curta nada mais é do que isso. Não pretendi, com ele, revolucionar a sétima arte (alguém ainda pode ter esta pretensão?). Não quis refletir sobre as mazelas do nosso país, nada disso. Adaptei um conto que achei muito simpático e de alto potencial cinematográfico e só. E só não. Conseguir fazer isso transparecer em 15 minutos numa tela de cinema não é fácil. Conseguir que o "production value" esteja de acordo com uma história de elemento fantástico trabalhando com o orçamento que trabalhei (em 35mm) é menos fácil ainda. Enfim, acho que publico de Nova Iorque soube reconhecer isto ainda mais do que outros públicos. E chega de falar do filme que dirigi!
Não fui ao cinema, não vi nenhum outro filme do festival (apenas os brasileiros que já havia visto) mas compareci a algumas palestras e encontros. Tribeca é um festival de alto nível. Tem hoje o maior público de qualquer festival americano (creio que 400 mil espectadores). A cidade comparece em peso, as sessões lotam e o festival ano a ano cresce em prestígio, chegando cada vez mais perto de Sundance. E na falta de um mercado maior parece que o interesse da comunidade cinematográfica e do público local é mesmo falar de cinema, não de indústria. Aliado a isso impera um clime muito simpático de "low-profile". A cerimônia de entrega de prêmios foi num teatro dos mais kitsch que vi na vida, em pleno chinatown, onde os adornos espalhafatosos de um vermelho berrante casavam estranhamente bem com neons azulados. Os prêmios, além de dinheiro (em alguns casos) eram obras de arte doadas por artistas locais. Lindas. E o prêmio maior foi entregue por Mr. De Niro em pessoa. Tudo isso sem um décimo do numero de fotógrafos que se vê em qualquer pré-estréia de cinema no Brasil.
*
A cidade (NY), que revisitei após quase seis anos, parece ter superado o trauma 9/11. Ground zero, cemitério das torres, é uma visão assustadora. O buraco é imenso, a área assombrosa, e as construções estão a todo vapor para erguer ali, além da "torre da liberdade", novos sistemas viários, comércio, etc... Ainda ouve-se ecos da tragédia por toda parte. Acho que a cicatriz ficará para sempre, agora fonte de mórbido fascínio. Será como é o muro para Berlin. Mas de um modo geral a cidade está alegra, muito ativa e linda. As cerejeiras estavam todas floridas (para quem ainda duvida, fim de abril/começo de maio é bom em qualquer lugar!) e o frisson do calor chegando sentia-se no ar. Fui ver um espetáculo de textos póstumos e não póstumos de Spalding Grey. Pois é, para quem não sabe, ele suicidou-se, há dois anos. Os textos continuam brilhantes mas sem Spalding perdem um pouco a graça. Pelo menos encenados. O teatro (Minetta Lane) era um charme e o elenco competente, mas não recomendo. Aí encerra-se todo o turismo cultural feito por mim. Compensei com muito consumo cultural, DVD´s raros na Virgin e na Barnes & Nobles e muitos livros comprados na Strand, imensa livraria de usados (e conservados) que fica na Broadway, um pouco abaixo de Union Square. E muitas outras cositas más... aproveito para agradecer aos meus caros amigos Lucas Longo e Matt Mochary que me hospedaram em seus charmosos apartamentos.
*
Não é por nada mas a cada nova premiação vejo como nosso juri do cinema nacional estava afiado. Acaba de sair o resultado do CINEPORT... vejam em www.cineport.com.br...

quarta-feira, 25 de abril de 2007

SAIU HOJE NA FOLHA


CINEMA

Tribeca começa hoje e exibe três filmes do Brasil
DA REPORTAGEM LOCAL

A sexta edição do Festival de Tribeca começa hoje e vai até o próximo dia 6 com uma forte presença de documentários que abordam temas como o aquecimento global e a presença das tropas norte-americanas no Iraque.
O evento reúne 157 longas-metragens e 88 curtas, que vêm de 47 países.
Do Brasil, passam o documentário "Santiago", de João Moreira Salles, o longa "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", de Cao Hamburger, e o curta "Do Mundo Nada se Leva", de Charly Braun.

Chique né? Fico honrado de ser meu o único curta que se junta a estes dois filmes brasileiros. Sexta-feira embarco para a big apple... depois de quase sete anos que desisti do sonho americano. As torres ainda estavam lá... fui pra Los Angeles, as torres caíram, George Bush imperava e eu vim fazer minha vida no Brasil.

domingo, 15 de abril de 2007



Perdoem a (falta de) acentuacao, escrevo num teclado hispanico, desde Buenos Aires. Entre as muitas alegrias desta viagem destaco a breve, porém proveitosa participacao afetiva no BAFICI, festival de cinema independente da cidade. Foi uma rara oportunidade de "congregacao" para mim, com colegas cineastas da américa latina. Fiquei tocado ao trocar ideias com essa galera da mesma geracao que eu, mas de paises tao diferentes como o México e Uruguai (e alguns brasileiros) e ver o quanto nos une afinal. A pátria latino-americana. Tao rica, em tudo, com tanta coisa em comum mas parece que somos pouco articulados uns com os outros. No caso do cinema especificamente porque é tao dificil e incomum que nos seja dada a oportunidade de ver os filmes dos "hermanos" latinos? A barreira do idioma (que no meu caso inexiste, pois tenho ancestrais diretos em todos os paises do mercosul) nao serve como resposta. Mas aos poucos as coisas parecem estar mudando e cada vez mais os nossos mecanismos de cinema estao dando-se conta da importancia da acao conjunta, continental mesmo. Alem do intercambio de ideias sobre o nosso cinema com suas tematicas e linguagens, fui testemunha aqui de esforcos genuinos de produtores de diferentes paises visando co-producoes, e estes jovens, ambiciosos e talentosos profissionais nos renderao agradaveis surpresas em breve.

Infelizmente nao pude ver muitos filmes, acabei vendo só dois e ambos brasileiros. Considero-me privilegiado por ter sido uma das poucas pessoas que viu tanto SANTIAGO, de Joao Moreira Salles, só exibido antes no E Tudo Verdade, e DESERTO FELIZ, de Paulo Caldas, exibido em Berlim e Guadalajara. Ambos sao um sopro de vento no ambiente por vezes sufocado da nossa cinematografia.


Santiago é uma pequena jóia. As suas muitas camadas sao atraentes a qualquer publico e Joao Moreira Salles reafirma seu posto como um dos grandes documentaristas do mundo, hoje, e tambem a potencialidade infinita do documentario brasileiro. Fiquei comovido e surpreso com a franqueza com que ele expoe a si mesmo num documentario sobre o mordomo de sua familia, personagem este rico baixo qualquer ótica. Belíssimo. Mesmo. Uma pena que por erro (sabe-se lá de quem) a copia que passou aqui tinha a narracao em ingles (de Nando Alves Pinto, ótimo como de costume) e nao a do irmao do diretor, em portugues. Mas deu uma ótima desculpa para se rever o filme.

Paulo Caldas fez um filme interessante que vai na contramao, ao mesmo tempo em que trafega junto com seus contemporaneos (a turma de Lirio Ferreira, Marcelo Gomes, Claudio Assis, Karim Ainouz). Parece contraditorio o que digo, e é. Um filme que divide com outros desta safra, temática, e/ou elenco e, porque nao, universo. Mas é muito diferente de Cinemas e Aspirinas, Suely, Baixio. É um filme com muitas qualidades e defeitos. Mas que sabe se aproveitar da maioria de seus defeitos. Um filme autoral (posso afirmar isso mesmo sem ter visto os outros filmes de Caldas) e radical em suas escolhas, mas genuinamente radical. As vezes peca por isso. Que tenha vida longa em nossos cinemas. Assim como Santiago.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Estarei nas telas de cinema com dois filmes em 2007 (aguardo convites para os próximos!).
No longa Meu Nome Não é Johnny, de
Mauro Lima, baseado no livro homônimo, em que interpreto o traficante jet-setter Felipe, e no curta Os Canalhas, de João Villela, onde sou o jeca-metido-a-malandro André. O trailer deste pode ser visto no Youtube,

terça-feira, 27 de março de 2007

MELHORES DO CINEMA NACIONAL 2006

Caros leitores, bem vindos a este recém criado blog que tem como objetivo refletir sobre e debater o cinema, as artes e os acontecimentos do nosso país. Escolhi divulgar aqui (aliás foi o estopim pra criar um blog) o resultado da enquete dos melhores do cinema nacional. Para os que não participaram, ou não sabem, trata-se de uma enquete que elege os melhores por categoria dentre os filmes lançados comercialmente no Brasil em 2006. Decidi fazer isto por puro amor aos nossos filmes, como estímulo de reflexão e também para que se divulgue, de certa maneira, nossa cinematografia. Impressiono-me sempre, à época dos Oscars, a comoção das pessoas, do meio cinematográfico e fora dele, em torno dos indicados, tentando ver os filmes, debatendo indicações e prêmios, e sempre chamou a minha atenção o poder de promoção deste prêmio e a completa incapacidade da nossa indústria de produzir qualquer coisa que se assemelha. Atenção: não tenho em absoluto esta pretensão. Mas acho que já vale o registro obtido com esta enquete. O procedimento foi assim: para se chegar aos indicados, pesou-se na balança a opinião dos internautas que formaram o "colégio" eleitoral (colégio este que se expandiu na votação final), a opinião dos principais críticos do país e a trajetória de filmes em festivais nacionais e internacionais. O colégio a que me refiro, e que venho procurando ampliar, por ora é formado por cineastas, atores e artistas em geral, críticos, jornalistas e cinéfilos. Mandei o resultado com os indicados para 150 pessoas e a primeira coisa que chamou-me a atenção foi a quantidade de pessoas que não puderam votar simplesmente porque não haviam visto pelo menos 3 ou 4 dos indicados em cada categoria (regra outra). E isso demonstrou, ao meu ver, o completo descaso e desapreço que existe pelo cinema nacional justamente aonde menos deveria haver: entre a "classe" e os formadores de opinião. Ainda assim, mais de 60 pessoas votaram (e estes serão sempre anônimos). Vamos então aos resultados. Comentarei os resultados por categorias e colocarei em ordem de mais votados e menos votados por categoria.


MELHOR FILME: O Céu de Suely
Seguido por O Ano que Meus Pais Saíram de Férias, O Maior Amor do Mundo, Estamira e Árido Movie.

Houve controvérsia para se chegar a 5 filmes nesta categoria. A disputa foi acirrada e no final 2 dos 7 filmes mais lembrados ficaram de fora. A primeira observação a se fazer é que, embora 2006 não tenha produzido nenhuma obra prima que entrará na história do cinema universal, os 5 filmes indicados são todos muito bons e refletem um caráter saudavelmente heterogêneo do cinema brasileiro. São filmes diferentes e que primam por características distintas.
O Céu de Suely ganhou com muita folga, e pode-se dizer que se não foi um sucesso na bilheteria parece configurar-se como unanimidade entre a classe, na medida em que estes eleitores são representativos da "classe". Venceu também em inúmeros festivais nacionais e internacionais, APCA e outros. O Ano... saiu-se bem no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo, tendo depois competido no Festival de Berlin. É um filme que agrada. Marcos Prado mereceu a indicação por seu primeiro filme, Estamira, uma pequena jóia que também vêm fazendo barulho desde 2004, quando estreiou (e venceu) o Festival do Rio. É triste que nenhum destes filmes tenha feito grande sucesso junto ao público e suas bilheterias, somadas, não chegam a um milhão de espectadores. Prova de que, em 2006, qualidade e quantidade de ingressos vendidos não andaram juntos, o que alías é uma tendência do cinema nacional (e pensar que não foi assim no passado! Basta ver as bilheterias de filmes como O Bandido da Luz Vermelha, Tudo Bem, Bye Bye Brasil e mesmo recentemente Cidade de Deus e Central do Brasil).

DIREÇÃO: Karim Ainouz (O Céu de Suely)
Seguido por Cao Hamburguer, Beto Brant, Cacá Diegues e Marcos Prado.

Nesta categoria a disputa foi bem mais acirrada, com pouca vantagem de Ainouz sobre Hamburguer e pouca deste sobre Beto Brant. Cacá Diegues e seu filme não fizeram feio na bilheteria, mas parece-me que neste grupo o filme não despertou tanta atenção, sendo pouco visto e pouco lembrado. Talvez por causa de seus filmes anteriores, talvez pela campanha de marketing irregular do filme. Ainda assim o filme tem feito uma bela carreira nos festivais internacionais e conta com fãs ardorosos e de prestígio. Beto Brant fez um filme que divide opiniões mas que também tem um grupo de entusiastas forte, fato que o pôs no páreo em todas as categorias a que foi indicado.

ATOR: Marco Ricca (Crime Delicado)
Seguido por Michel Joelsas, José Wilker, Mateus Natchtergaele e Marco Nanini.

Ricca ganhou com alguma vantagem por seu impecável trabalho no filme de Beto Brant e não surpreende que Michel Joelsas tenha vindo atrás. É certo que crianças e animais, quando providos de algum talento, exercem um imenso fascínio sobre platéias e neste caso não podia ser diferente, sobretudo em se tratando de um garoto dotado de um talento incomum. José Wilker realiza um trabalho maduro e comovente em O Maior Amor do Mundo, repetindo parceria de sucesso com Cacá Diegues. Natchtergaele, presença constante no cinema da retomada, brilha num filme menor e o mesmo acontece com Nanini.

ATRIZ: Hermila Guedes (O Céu de Suely)
Seguida por Glória Pires, Patrícia Pillar, Dira Paes e Fernanda Carvalho.

O furacão Hermila levantou poeira nesta categoria e obteve a maior votação em todas as categorias. Isto certamente se deve a uma conjunção de fatores: seu talento, amplamente amparado por um bom roteiro, uma direção primorosa e o auxílio da onipresente Fátima Toledo. Fator maior, porém, e que parece ser a regra eficaz dos ultimos anos, é colocar um rosto praticamente desconhecido para protagonizar um longa. Prova disso são as últimas premiadas no Festival do Rio: Hermila, Alice Braga, Sílvia Lourenço e Cleo Pires, todas desconhecidas quando ganharam o prêmio. Nada disso porém, tira o mérito de Hermila. Os votos para Glória Pires e Patrícia Pillar tem grande mérito também, pois concorriam em filmes que não tiveram quase menção nesta premiação. E Dira Paes conseguiu um feito, já que Incuráveis foi visto por pouquíssimas pessoas. A jovem Fernanda Carvalho obteve indicação mas nenhum voto nesta categoria.

FOTOGRAFIA: Walter Carvalho (O Céu de Suely)
Seguido por Adriano Goldman, Murilo Salles, Walter novamente e Marcos Prado.

Walter Carvalho conquistou todos os prêmios possíveis em sua carreira (e merecia indicação ao Oscar por alguns filmes) e continua a competir consigo próprio. Além de ganhar com Suely, seu belo e pouco visto trabalho em Veneno da Madrugada foi bem lembrado e um eleitor, num momento de distração, votou nele por Crime Delicado, que não estava indicado nesta categoria. Palmas para Carvalho, um artista acima de qualquer suspeita. Saudável a entrada de Adriano Goldman em cena, que levou também o prêmio ABC por seu trabalho em O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias. O multi-talentoso Murilo Salles fez um belo retorno à direção de fotografia com Árido Movie (filme que ele também produziu), levando, entre outros, o prêmio APCA e Marcos Prado, fotógrafo still consagrado, conseguiu extrair uma sublime beleza do video no seu Estamira.

ROTEIRO: Anna Muylaert, Braulio Mantovani, Claudio Galperin e Cao Hamburguer (O Ano que Meus Pais Saíram de Férias)
Seguido por Karim Ainouz, Felipe Bragança e Maurício Zacarias (O Céu de Suely), Marçal Aquino, Beto Brant, Luiz F. Carvalho F°, Mauricio Paroni e Marco Ricca (Crime Delicado), Cacá Diegues (O Maior Amor do Mundo) e Edgard Navarro (Eu Me Lembro).

Hamburguer e sua talentosa equipe de roteiristas agradaram em cheio (venceram também o APCA). É curioso notar que 3 dos 5 filmes são assinados por vários roteiristas, prova de que o cinema nacional está levando a questão do roteiro mais a sério. Ainda assim, dois dos filmes indicados foram escritos apenas por seus diretores. E ambos são obras pessoais e belas.

EDIÇÃO: Willem Dias (Crime Delicado) e Tina Baz e Isabela Monteiro de Castro (O Céu de Suely)
Seguidos por: Vânia Debbs (Árido Movie), Jefferson Cisneros e Edgard Navarro (Eu me Lembro) e Quito Ribeiro (O Maior Amor do Mundo)

É interessante notar a força da edição de Dias, trata-se de um trabalho eficaz porém discreto, mas que foi suficientemente notado para levat o prêmio junto a Suely na única categoria em que houve empate. Destaque também para Vânia Debbs, que por pouco não levou o prêmio também por seu trabalho em Árido Movie. Por este trabalho, ganhou o prêmio APCA, entre outros.

ATOR COADJUVANTE: Selton Mello (Árido Movie)
Seguido por Germano Haiut, Antonio Calloni, Nelson Dantas e Otávio Augusto.

Sua hilária personagem no filme de Lírio Ferreira, que lhe rendeu também o mesmo prêmio no Festival de Recife, dá mais uma laurea a este ator que firmou-se como o mais versátil ator de cinema de sua geração neste país (basta ler as críticas mais que elogiosas que têm recebido pelo recém estreado Cheiro do Ralo). E merecidamente, pois Mello sabe alternar trabalhos de grande e pequena escala mas quase sempre filmes de qualidade, superando-se a cada nova interpretação. Só não surpreende que um jovem ator consiga tal feito quando se sabe que Mello começou como calouro no Bozo, aos 5 anos de idade. Haiut, um ator totalmente desconhecido (cheguei a ouvir dizer que não é propriamente ator) fez um belo trabalho em O Ano..., pelo qual ganhou o Prêmio FIESP do cinema paulista. O mesmo vale para Calloni, premiado em Gramado por Anjos do Sol. O falecido Nelson Dantas deixou com Zuzu Angel sua última imagem em nosso cinema. E em pouco mais de um minuto na tela (se é que chega a isso) ele traz consigo uma interpretação arrebatadora. Sem uma fala sequer. Grande e saudoso ator. Otávio Augusto rouba a cena sempre, e novamente com um bem construído personagem em Boleiros 2.

ATRIZ COADJUVANTE: Daniela Piepszyk (O Ano Que Meus Pais Saíram de Férias)
Seguida por Valderez Freitas Teixeira, Bianca Comparato, Lea Garcia e Arly Arnaud.

O fascínio pela interpretação infantil aqui deu o prêmio a Piepszyk (êta nome difícil!) por sua carismática interpretação em O Ano... No caso de Valderez Freitas Teixeira e Arly Arnaud, ambas indicadas por Eu Me Lembro, temo que possa ter havido uma confusão: ambas as talentosas atrizes baianas são desconhecidas do grande público e acho que os eleitores não souberam qual era qual. Posso estar enganado. Teixeira faz a mãe preta, e Arnaud a mãe de fato do protagonista. Esta foi premiada em Brasília por seu trabalho. Ambas arrasam. A jovem Bianca Comparato, atriz que vêm ganhando destaque no cinema, na TV e no teatro fez um belo e bem lembrado trabalho em Anjos do Sol e Lea Garcia interpreta com muita dignidade no filme de Diegues.

DIREÇÃO DE ARTE: Cássio Amarante ( O Ano que Meus Pais Saíram de Férias)
Seguido por Marcos Flaksman (Veneno da Madrugada), Moacir Gramacho e Shell Jr. Eu me Lembro), Tule Peak (O Maior Amor do Mundo) e Marcos Pedroso (O Céu de Suely).

O mérito de Amarante não é pouco, pois se O Ano... não teme os planos abertos como Olga, por exemplo, isso se deve em grande parte à habilidade ímpar de Amarante em reconstutuir com perfeição não apenas uma época, mas também uma atmosfera, um entorno geográfico, sócio-econômico, etc... O mesmo fizeram os profissionais de Eu Me Lembro, talvez sem tanto requinte mas contando com um orçamento bem menor. Um feito e tanto que lhes deu um merecido segundo lugar. O belo trabalho de Flaksman no filme de Ruy Guerra sofreu pelo fato do filme ter sido pouco visto, mas levou o prêmio no festival de Brasília e foi indicado também ao prêmio ABC (perdendo para Amarante). Peak extrai beleza e harmonia até do lixão, no filme de Diegues e Pedroso dá autenticidade a Suely, num trabalho discreto porém preciso.

SOM: Árido Movie
Seguido por O Ano Que Meus Pais Saíram de Férias, O Céu de Suely, O Maior Amor do Mundo e Eu Me Lembro.

Esta categoria foi introduzida como som "em geral", o que pode ser um equívoco mas muita gente não sabe como avaliar o som de um filme, nem como um todo, imagine se fossemos dividir em melhor captação de som, melhor edição de som, melhor mixagem, etc... Talvez uma categoria apenas para trilha ou canção original seja uma idéia inteligente, a se pensar para o ano que vêm. Em todo caso, Árido Movie se destacou com sua sonoridade complexa e bem trabalhada, vinda de Pernambuco e embalada por um som neo-manguebeat. Um feito e tanto, sobretudo para um filme de baixo orçamento. Mais uma prova de que qualidade técnica e artística (e este filme foi também indicado por sua foto e montagem) não precisam necessariamente de uma verba estratosférica. Destaque também para a trilha de Kassin em Suely, delicada e de bom gosto, e para a belíssima canção original de Chico Buarque que encerra O Maior Amor do Mundo.

CONCLUSÕES
Um prêmio similar ao que aqui se encontra é o Grande Prêmio Cinema Brasileiro. Mas ele parece não ter vingado muito. Acabo de ver a lista de indicados, e fica-se sem saber que período abrange e também o porque de tantas indicações (creio que 8 por categoria), um exagero num país onde se produz uma média de 50 filmes por ano. Repito que não tenho a pretensão de fazer com que esta enquete seja isso, mais que uma enquete, mas me interessa saber a opinião dos meus contemporâneos e por isso as divulgo aqui. 2007 parece ser um bom ano para o cinema nacional, com uma boa safra de filmes portanto os internautas já podem ir mandando indicações que serão devidamente anotadas para a próxima edição, que possivelmente contará com uma categoria apenas para documentários, outra para figurinos e uma para trilha. Outras sugestões são bem-vindas, bem como comentários dos internautas.
A premiação por filmes fica assim:
O Céu de Suely - 5 Prêmios (Filme, Direção, Atriz, Fotografia e Edição)
O Ano Que Meus Pais... - 3 Prêmios (Roteiro, Direção de Arte, Atriz Coadjuvante)
Crime Delicado - 2 Prêmios (Ator, Edição)
Árido Movie - 2 Prêmios (Ator Coadjuvante, Som).