segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Festival do Rio

Acabaram-se as filmagens de 174... ainda me resta muito trabalho pela frente, entrevistas, edição, acompanhar a pós, etc... mas depois de três (eternas) semanas de noturnas decidi que era hora de voltar ao cinema... à sala de cinema. Coincidentemente, no dia em que terminei, às 10 da manhã, uma diária de 13 horas, o Festival do Rio dava seu pontapé.
Desde então continuo no insuportável fuso da noite (dormindo às 8-9 e acordando 4 da tarde) e hoje nem consegui dormir, acho que bateu um cansaço maluco que faz com que as funções vitais fiquem mais malucas ainda... meu corpo doía de cansaço mas a cabeça não parava, e quando parava havia ali um inoportuno mosquito a zumbir no meu ouvida... enfim. Vamos ao festival.
Abertura, uma confusão daquelas, nunca vi uma abertura tão concorrida, quase fui esmagado na entrada. Mas deu tudo certo e então, para um Odeon abarrotado, apresentou-se o filme mais falada do ano: Tropa de Elite. Muito do que senti ao ver foi moldado por uma visão anterior do filme; não, eu não aderi à onda de pirataria, de onde nem meus amigos mais abastados escapam. Coincidentemente, durante o Bafici em Buenos Aires, meu amigo Eduardo, que pilota os fundos da Weinstein para filmes latinos (cuja primeira cria é "Tropa") recebeu o primeiríssimo corte do filme. Por ser eu tupiniquim e falar português (e ele não), chamou-me para que eu opinasse. Situação sempre difícil, pois um primeiro corte é aquela coisa. Ainda assim lembro-me de sair da sala de projeção do Malba profundamente impactado, faltava-me o ar. Sabia que havia ali algo poderoso. Muita coisa mudou, a começar pelo narrador, que deixou de ser a personagem de André Ramiro e passou a ser o de Wagner Moura. E isso não é pouca coisa... ao mesmo tempo em que tornou a trama mais clara, pode ter levantado a bandeira que um punhado de pessoas vêm chamando de fascista. Eu discordo, acho importante não confundir a voz da personagem (que ao narrar, tornou-se principal) com a do filme. Sobre isso leiam a excelente crítica de Eduardo Valente no http://www.revistacinética.com.br/. Isto posto, algumas observações:
- Poucas vezes vi um filme que mexesse tanto com a platéia. As reações à saída do Odeon, e depois, na festa, eram as mais diversas possíveis. Mas eram sempre reações fortes. Uma conhecida produtora revoltou-se, teve gente que saiu do film no meio, outros chamavam Tropa de o melhor filme do ano... algo que estranhei foi o comentário de que o filme glorificava demais aquelas personagens, ou que seria uma ode à tortura. Não sei se teve a ver com as duas versões, já que na anterior, quando não era Nascimento (Wagner Moura) que narrava eu o achei absolutamente detestável. Mas o fato é que eu continuei a achar aqueles homens sem coração, sem muito discernimento e extrapoladores do respeito cívico (as torturas são barra pesada). Mas vi isso justamente sob a ótica inversa: aquela representação fazia com que uma pessoa de bom senso (to me achando isso, aqui) desaprovasse do comportamento daqueles homens, não o sentisse glorificado. Mas parece que estou em minoria.
- Tecnicamente o filme é impecável. O som é dos melhores que já vi no cinema nacional, a trilha, perfeita, e Lula Carvalho firma-se aqui como um talento que nada deve so de seu pai. O elenco em sua quase totalidade, impressiona, e Wagner Moura consagra-se, junto com a novela, como o ator que certamente marcará uma época no audiovisual brasileiro.
- Finalmente, a pirataria... bem, isso renderia um outro post e muito já foi dito. Embora Globo Filmes nenhuma tivesse gerado esta mídia toda, desconfio que no fim das contas os piratas roubaram sim uma parcela do público total. Mas isso só saberemos depois que o filme entrar em cartaz. Agora, é impressionante a quantidade de pessoas que já viram. Saímos depois em grupo, pela noite carioca, e entre nós estava Caio Junqueira, que também brilha em papel de destaque. As pessoas a torto e a direito o saudavem pelo seu nome de Bope: 06. Caio me disse que nunca em sua carreira de mais de 15 anos, onde fez muita televisão (Globo) foi tão reconhecido pelo público. Surpreendente.
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Na sexta fui à estréia de Nome Próprio, de Murilo Salles. Fiquei fã de Murilo quando ele abraçou Árido Movie, filme que produziu com poucos recursos e que fotografou com muita beleza e inteligência. Seu mais novo longa tem momentos muito impactantes, uma interpretação impecável e ousada de Leandra Leal, bons atores (revelados no filme), e uma fotografia digital rica e original. Mas o filme não sustenta suas 2 horas e 10 de duração. O roteiro, que parece tentar demais ser anticonvencional, não dá estofo a tanto tempo. Nem os textos de Averbuck (projetados ad nauseum) e nem mesmo a bela fotografia. Estou certo de que se Salles tirasse 40 minutos de seu filme, teria algo mais poderoso em mãos e com potencial de atingir seu público alvo. Do jeito que está, vai ser mais um filme brasileiro a ficar duas semanas em cartaz.
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No sábado sessão dupla: Nas Asas da Panair, documentário de Marco Altberg, é tocante e belo ao resgatar a história da cia. aérea que provocou paixão sem precedentes, e que foi injustamente aniquilada pela ditadura, numa violência contra as 5000 famílias que lá trabalhavam. Talvez tenha gostado tanto por razões pessoais: meu tio-avô, Paulo Sampaio, a quem minha mãe adorava (era gêmeo idêntico do avô que nunca conheci) foi presidente da empresa por muito tempo, fez dela sua vida e quase morreu junto quando os milicos barbarizaram. O filme é dedicado a ele. Vale conferir nem que seja a canção que Milton Nascimento fez para a Panair, e que Elis gravou.
Corri para o palácio para ver (para mim) o filme mais aguardado de todos: a estréia em longas de ficção do meu amigo querido Chico Teixeira: A Casa de Alice. Nervoso por ele, pela estréia, por tudo, entreguei-me completamente à impressionante obra de Chico, impressionante pela complexidade que se esconde sob a aparente simplicidade. Acho que é dos filmes mais sutís que vi em toda a minha vida. O não dito fala tudo, e o que se diz nunca sobra. Marcos Pedroso na arte e Mauro Pinheiro na foto estão em sintonia absoluta com um elenco totalmente desconhecida mas poucas vezes tão afiados. São atores ali, mas parecem existir MESMO. O filme acaba e você quer mais, e fica em seguida imaginando onde estará aquela gente agora. O que será daqueles meninos, daquela velha adorável e da nossa heroína da vida cotidiana. Palmas e mais palmas para Chico e toda a sua equipe, e para o elenco sensacional encabeçado por uma Carla Ribas em estado de graça....
E chega, preciso dormir!

Um comentário:

João Bonjean disse...

para quem mora fora do país e sabe que esse filme não vai chegar aqui como faço para ver. Tive curiosidade de ler seu blog depois que meu irmão mandou um email, agora fiquei curioso para ver o filme.

abs
Joao Bonjean