sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

ANTONIA NABUCO

Caros leitores,

Hoje escreverei sobre uma pessoa especialissima que nao esta mais entre nos, aqui neste plano, mas que esta da forma em que cada um de nós conceba que pode estar uma pessoa fora do plano fisico. Nao acredito em duendes, ovnis, astrologia, nada disso, embora minha metade brasileira me faca dar uma espiada no horoscopo de vez em quando. Mas neste caso sei que Antonia existe ainda, existe num lugar muito especial dentro de mim e de todos que a conheceram e entao fica a estranha sensacao de que Antonia pessoa fisica está de fato. Estranha sensacao tambem o nao poder ouvi-la, nao poder compartilhar dos seus pensamentos frescos a toda hora. Estranha sensacao de um vazio infinito que é uma das ironias deste mundo, que ainda assim é belo. Porque nos permite estar em contato com pessoas como Antonia, mesmo que depois a arranque de nós. Porque ficam as lembrancas, as vivencias, as fotos... É tudo muito estranho mesmo.

Perdoem a falta de acentuacao: computadores estrangeiros. Depois de despedir-me dela tive que partir, para longe; do que era seu entorno, de perto da dor. Cada um lida com a tristeza à sua maneira. Ia esperar, meditar, me inspirar antes de escrever sobre Antonia. Mas resolvi entrar no blog e comovido li manifestacoes de duas pessoas que eu nao conheco, que deixaram comentarios sobre o meu post anterior, onde eu falava dela. E comoveu-me de tal maneira constatar mais uma vez o poder desta enorme rede de afetos que Antonia possuia; comoveu-me enormemente que duas pessoas estranhas me deixem recados emocionados porque, assim como eu, sentem com tanto pesar a partida da querida prima. E isto me fez refletir, me inspirou e com sentido de urgencia faz com que agora eu me esqueca de que é sexta-feira a noite, de que ha um mundo pulsando la fora, de que eu so terei 28 anos uma vez na vida... Nada mais importa agora. Porque Antonia esta aqui, esta presente, me guia nesta palavras dificeis.

No seu enterro, essa cerimonia tao difícil e necessaria inventada pelo homem, atrevi-me a falar diante das quase duzentas pessoas que se aglomeravam no cemiterio Sao Joao Batista. Jamais havia feito algo parecido. Quando me vejo obrigado a apresentar um filme meu num festival de cinema falta-me o ar. Mas ali novamente a forca de Antonia me impeliu a superar uma dificuldade, pois me era vital prestar-lhe uma homenagem, sobretudo em meio a uma situacao surreal... Aquela demora, os pedreiros que pareciam nao saber o que fazer, numa estranha correlacao com todos nos ali, que nao sabiamos o que fazer literalmente e tampouco frente a dor que sentiamos. Resolvi falar, e o que disse, ou o que consegui dizer tomado pela emocao, foi que Antonia deixa o legado de uma enorme rede de afetos que parece nao ter fim. E de repente, quando li os comentarios de uma medica e um professor de escola dela(!) no meu blog, me senti muito proximo a eles. Porque mais uma vez me senti deliciosamente envolto na rede de afetos de Antonia. Porque, perdoem a aparente cafonice mais é assim mesmo, Antonia era amor.

Nao há pessoa que nao tenha passado alguns minutos com ela e nao se lembre com carinho destes minutos. Como disse Jadyr, grande amor da vida dela e grande companheiro (e mais um achado na sua rede afetos) estar perto dela era um verdadeiro privilégio. Muitas pessoas diziam a Jadyr que ele era um santo, uma pessoa iluminada (e isso ele é mesmo) por ter estado ali, sempre presente e sempre batalhando ao longo dos sete anos em que Antonia lutou contra a doenca. E ele sempre respondia, sereno, "Querido, nao sou santo nada. Cada minuto ao lado dela é um privilégio".

As virtudes de Antonia sao tantas que prefiro falar das mais importantes: a fé, a forca, a compaixao, a bondade, a honra, a dignidade, a presteza, o afeto inesgotável, a inteligencia afiada, o charme, a graca, a curiosidade, a espontaniedade, a verdade... Até o que, na maioria das pessoas é um defeito, nela eram parte do charme: a vaidade, a teimosia... eram características tao intrínsecas a ela que, em vez de desagradar, enterneciam.

Mas talvez a maior das virtudes dela (e isso eu consegui dizer no enterro) era que, em contato com Antonia, diante dela, éramos pessoas melhores. Frente a Antonia virávamos sempre a melhor pessoa que podíamos ser. Era como se as virtudes dela, de tao fortes, passasem a nós. Talvez nenhuma cancao se aplicaria tao bem a ela como se "Se todos fossem iguais a voce, que maravilha viver" de Jobim (a belíssima cancao de Joao Nabuco é hors-concours, já que foi feita em homenagem a ela).

Em todos estes anos de convivio, mesmo quando bem próximo, nunca houve mau-tempo com Antonia. Jamais a vi reclamar, por exemplo, de absolutamente nada, mesmo quando, cansada, talvez sentisse que nao teria forcas para seguir lutando. Eu nao posso nem quero imaginar o sofrimento pelo qual passou a vida inteira, e sobretudo nos últimos anos e, de maneira mais violenta, nos últimos meses. Mesmo assim nunca uma reclamacao, uma queixa, nada. Mesmo no fim ela conseguia dar amor, dar afeto, dar e dar. Incansável.

Por isso as lembrancas e as licoes servem como uma pequena compensacao para nós que ficamos aqui com a dor e a saudade imensa. Porque tudo o que ela nos deu servirá como instrumento para uma vida mais rica, mais profunda, mais verdadeira. Os valores de Antonia eram sólidos como as piramides de Egito. Eles nos iluminam nos momentos difíceis. E fica a sensacao, mais uma estranha sensacao, de que talvez Antonia fosse mesmo um anjo disfarcado de linda mulher que veio a esta terra para nos mostrar tudo isso, para nos guiar, nos dar ferramentas, ensinar. Seria uma explicacao aparentemente absurda porém lógica para a sua inesgotável alegria e serenidade mesmo frente a maior das tragédias. Porque além de amor, e luz, Antonia era paz.

Paz Antonia! Amén.

PS- Entre mais outras virtudes de Antonia havia sempre o humor, muito humor e algo de pueril e inocente nela que se contrapunha muito graciosamente à sua inteligencia e astúcia. Devo a ela as maiores gargalhadas da minha vida numa temporada no apartamento dela em Nova Iorque, quando ela foi lutar pela sua carreira lá (e fez muito sucesso na empresa Landor, onde foi responsável pela guaribada na imagem da hoje velha Varig, entre outros feitos). Chego eu de Boston, para passarmos mais um final de semana juntos, e eis que surge Antonia com uma roupa de ginástica hilària, rosa choque e azul, e um tapetinho de ioga que ela prontamente colocou no chao. Havia recém terminado um daqueles milhares de capuccino em pó que eram seu pequeno vício e eu imaginei que ela também havia aderido ao Ioga, em boom na època. De repente Antonia coloca uma fita no VHS e eis que surge na tela primeiro a imagem de uma boca de fogao queimando, enquanto a narracao pouco sutil falava em perder calorias. Entao aparece uma mulher loira de meia idade com uma roupa ainda mais ridícula que a da Antonia, sob a insignia "Breathing Gymnastics with Greer Childers, mother of three". Greer era loira, com um enorme cabelo estilo anos 80, e estava frente a um cenário horroroso que inlcuía uma lareira de mentira. E entao Greer comeca a fazer na TV poses que fazem Jane Fonda parecer Audrey Hepburn em Breakfst at Tifannys. Era posicao de gato, de cachorro, revirava os olhos, sempre com uma profunda respiracao e depois uma expiracao muito barulhenta, um "Puhhhhh" que parecia que a Greer ia sufocar-se ali na tela. Incrédulo, eu vi Antonia tentando imitar as obscenas ginásticas faciais e corporais de Greer até que nao resisti e tive o primeiro de uma série de ataques de riso, daqueles de provocar muitas lágrimas e doer a barriga até achar que o riso virou tortura. Antonia imediatamente se deu conta do absurdo da situacao e comecou a rir também e assim ficamos uma boa meia hora, rebobinando a fita e rindo. Antonia disse que tinha visto o anúncio no 1800, pareceu bom e comprou. E mais risadas. No final de semana seguinte Guilhermina juntou-se a nós e Antonia e eu colocamos o video e demos mais risadas com ela... Esgotamos Greer de tanto rir!
PS2- Queria uma linda foto da Antonia pra colocar aqui... nao tenho nenhuma comigo aqui no sul, peco que enviem por email...
PS3- fecho este texto com o link, que o Caio me mandou, da própria Greer e um trecho do vídeo que descrevo acima... sensacional!

domingo, 3 de fevereiro de 2008

2008

Aos meus 4 leitores, algumas novas, já que um ou outra reclama da falta de postagens.
* Passei os últimos 2 meses escrevendo, produzindo e dirigindo o meu primeiro longa-metragem, provisoriamente entitulado "En Ruta". Trata-se de um road movie que conta uma história de amor entre um jovem argentino e uma belga. Foi todo filmado no Uruguai, e pretende ser também um retrato do país hoje. Pois é, eu sei que ninguém faz um filme assim tao rápido, mas eu fiz, fazer o que? Era pegar ou largar. Rendeu-me 55 horas de material com coisas incríveis que vou precisar de meses para editar (e um belo patrocinador para finalizar, voluntarie-se alguém!). O elenco nao pode ser mais heterogeneo... temos vários nao atores, pessoas de carne e osso mesmo, dos lugares, que contracenam com o casal principal, dois ex-estudantes de teatro argentinos, Esteban Feune de Colombi e Jill Mulleady (ele hoje escritor e ela hoje pintora). A eles junta-se o artista plástico Hugo Arias, a grande dama do teatro e cinema China Zorrilla (cujas cenas deverao ser filmadas em dois dias, e ela ainda nao disse que faz o filme!!!) e a querida Guilhermina Guinle. Naomi Campbell faz um cameo.
* No meio disso tudo faleceu minha queridíssima prima Antonia Nabuco. Ela merece um post só para ela, que escreverei com calma. Só posso dizer que a passagem dela me provocou uma tristeza sem fim e me deixa uma saudade enorme, e um vazio difìcil de preencher.
Foram tempos conturbados. E onde um sentimento de realizacao forte mesclou-se com este pesar gigantesco. Mas a vida tem destas coisas, tao estranhas. Nos dá e tira de nós o tempo todo. "A vida sempre pega a gente numa curva, é feito chuva em plena tarde de verao" dizia a cancao do meu caro Fábio Jr.
E em breve serao as águas de marco, fechando o verao. Que vai me deixar um filme que, espero, seja uma bela obra para a posteridade, e umas saudades eternas de Antonia, que me abencoa de onde estiver.