domingo, 15 de junho de 2008

MELHORES DO CINEMA NACIONAL 2007

Chegou a hora de apresentar os resultados da enquete (prefiro esse nome à pomposidade de "premiação") dos melhore do cinema nacional em 2007. Desculpo-me pela demora em postar, mas uma verdadeira maratona de trabalho e um inesperado problema de saúde (já resolvido) acabaram adiando este post. Agora, no final de um repouso forçado, encontro a paz e o tempo necessários para voltar ao blog.

Para aqueles que não conhecem a enquete, no seu segundo ano consecutivo visa lembrar e reconhecer alguns dos nomes do nosso cinema que se destacaram nos filmes com estréia comercial em 2007. Para isso um comitê de 5 pessoas analisou os mais de 60 lançamentos e apontou 5 indicados por categoria. Estas indicações foram enviadas por mim a mais de 200 pessoas de alguma forma ligadas ao nosso cinema (cineastas, atores e artistas em geral, técnicos, críticos, jornalistas e cinéfilos). Novamente fui surpeendido pelo alto numero de pessoas que não puderam votar porque não haviam assistido a pelo menos 4 dos indicados (regra desta "academia"). Mas outros tantos o fizeram e assim chegamos a estes resultados.

No final das contas não deixa de ser uma questão de gosto (ou falta de) e de opiniões, mas acho válida a iniciativa e acho que, para nós que trabalhamos com cinema, é sempre bom relembrar estes filmes e pessoas que os fizeram. Elas merecem, numa arte onde sangue, suor e lágrimas (e rodar a bolsa!) fazem parte do dia a dia de seus operários e artesãos.

MELHOR FILME: Tropa de Elite Seguido por O Cheiro do Ralo, A Casa de Alice, Cão Sem Dono e Proibido Proibir

O fênomeno de "Tropa" alcança até este blog. Embora tenha sido uma disputa acirrada entre todos os filmes, quem levou foi Tropa. Talvez não só pela qualidade do filme mas por tudo o que representou no ano de 2007... a polêmica, as discussões, a questão da pirataria, o Urso em Berlim, e, claro, o público! Tropa foi O blockbuster nacional em 2007 e, apesar de críticas, entrou para o panteão de filmes de "sucesso" e "qualidade", já que, gostem ou não do filme, ele é impecavelmente bem-feito (prova disso é os outros prêmios que levará aqui). Mas vale lembrar que 2007 foi um ano em que a qualidade média dos filmes foi, a meu ver, superior a 2006. Prova disso é ver que todos os indicados aqui são filmes de alto nível e bastante diferentes, o que não deixa de ser um bom sinal.

MELHOR DOCUMENTÁRIO: Santiago Seguido por Jogo de Cena, Cartola, Pro Dia Nascer Feliz e Person

Novamente uma disputa acirrada, mas desta vez apenas entre Santiago e Jogo de Cena. Ambos arrebatam não só por sua inteligência mas também pela audácia de seus temas e da linguagem usada na abordagem destes. Curiosamente, ambos são produzidos pela carioca Videofilmes, que levou o prêmio de melhor filme ano passado por O Céu de Suely. Aqui também vale lembrar que o conjunto dos filmes representou um alto nível em termos de qualidade, temáticas e maneiras de abordar os temas. E 2007 certamente foi o ano dos documentários no Brasil. Eles tiveram muito público e foi enorme o numero de documentários lançados no circuito ano passado, quase igualando-se ao numero de filmes de ficção.

DIREÇÃO: João Moreira Salles (Santiago) Seguido por Eduardo Coutinho, Beto Brant e Renato Ciasca, José Padilha e Sandra Kogut

Provando o vigor dos docs em 2007, Coutinho e Salles disputaram acirradamente o prêmio de direção com Santiago levando a melhor. Foi decisão do comitê que aqui (como nas demais categorias) os documentários entrassem na disputa com a ficção, mas normalmente as ficções são as mais lembradas. Este ano a surpresa, ou nem tanto se pensarmos que tanto Salles como Coutinho tenham apresentado talvez seus melhores trabalhos. Beto Brant, provando ser dos mais prolíficos e inventivos diretores do cinema nacional, foi bem lembrado (este ano ao lado de Ciasca), sendo o único destes também indicado ano passado (por Crime Delicado).

ATOR: Wagner Moura (Tropa de Elite) Seguido por Selton Mello, Caio Blat, Julio Andrade e Maxwell Nascimento

Apesar da brilhante interpretação em O Cheiro do Ralo, 2007 foi não apenas o ano de "Tropa" mas também do fenômeno Wagner Moura. Um papel de alta intensidade no blockbuster do ano aliado a um vilão de altíssima popularidade na novela das 8 consagrou o ator definitivamente (consagração que este ano estende-se ao teatro, com uma enfurecida e genial interpretação em Hamlet). Selton Mello venceu ano passado na categoria coadjuvante por Árido Movie e já desponta como indicado em 2008 por Meu Nome Não é Johnny mas Moura levou a melhor nesta enquete. Destaque também para Caio Blat, por Proibido Proibir, que também teve um ano marcante com belos trabalhos em Baixio das Bestas e Bastismo de Sangue. As "novas caras" foram muito bem representadas por uma composição preciosa de Júlio Andrade em Cão Sem Dono e o novato Maxwell Nasciemento em Querô. Não entraram na disputa mas merecem ser lembradas as performances de Alexandre Rodrigues em Proibido Proibir, Bernardo Marinho em O Passageiro e Rafael Raposo em Noel, Poeta da Vila.

ATRIZ: Carla Ribas (A Casa de Alice) Seguida por Fernanda Torres, Priscila Rozembaum, Tainá Muller e Maria Flor

Num ano marcado por fortes interpretações masculinas os desempenhos femininos, em geral, não chamaram a atenção. Destaque notável para o inspiradíssima atuação de Carla Ribas em A Casa de Alice. E neste prêmio consagra-se também Fátima Toledo, que preparou Carla e também a vencedora do ano passado, Hermila Guedes, e Wagner Moura em Tropa de Elite. Com um trabalho polêmico, festejado por uns e rejeitado por outros, é inegável que o trabalho de Toledo resulta. E já desponta para o ano que vêm outro nome feminino preparado por ela, o de Sandra Corveloni em Linha de Passe. Destaque também para Priscila Rozembaum numa verdadeira tour de force em Carreiras, trabalho que lhe rendeu um kikito em Gramado.

ROTEIRO ORIGINAL: Jorge Durán e Dani Patarra (É Proibido Proibir) seguidos por Chico Teixeira, Marcelo Gomes, Julio Pessoa e Sabina Anzuategui (A Casa de Alice), Jorge Furtado (Saneamento Básico), Phillipe Barcinski, Fabiana Wernek Barcisnki e Eugenio Puppo (Não Por Acaso) e Roberto Moreira e Tata Amaral (Antônia)

Não causa muita surpresa que Durán leve o prêmio já que ele é um dos grandes roteiristas do nosso cinema e brindou o público em 2007 com um filme poderoso. É notável também o roteiro de A Casa de Alice, escrito a 8 mãos a partir de uma idéia de seu diretor, o estreante em longas Chico Teixeira. Embora nos 5 casos o diretor tenha sido um dos roteiristas, em todos os diretores escreveram com colaboradores, com exceção de Jorge Furtado, que é também roteirista por profissão. Parece um saudável sinal para o cinema nacional que sempre teve nos roteiros o seu ponto fraco, e agora parece que os diretores estão se convencendo de que não precisam necessariamente também serem bons roteiristas e nem trabalharem sozinhos.

ROTEIRO ADAPTADO: Bráulio Mantovani, José Padilha e Rodrigo Pimentel (Tropa de Elite) seguidos por Heitor Dhalia e Marçal Aquino (O Cheiro do Ralo) Beto Brant, Renato Ciasca e Marçal Aquino (Cão Sem Dono), Sandra Kogut e Ana Luiza Martins Costa (Mutum) e Elena Soarez (Cidade dos Homens)

Houve um pequeno (grande) erro nesta categoria que talvez devesse até invalidá-la. O que me chocou foi que meu erro (e dos restos dos membros da comissão de indicação) passou desapercebido pelo grande numero de votantes, muitos dos quais roteiristas e diretores e até pessoas que trabalharam em Tropa de Elite: Não trata-se, exatamente, de um roteiro adaptado. Quem me confirmou a suspeito foi o próprio Bráulio Mantovani. Acontece que o roteiro do filme é em grande parte anterior ao livro Elite da Tropa e o fato do ex-capitão Pimentel levar crédito em ambos, e ser um antigo colaborador de Padilha, só aumentou a confusão. Ainda assim, com erro o roteiro levou o prêmio, e com ele Mantovani leva também pelo segundo ano consecutivo. A disputa com O Cheiro do Ralo foi acirrada, sendo "Cheiro" um roteiro de grande originalidade baseado no livro homonimo de Lourenço Mutarelli que também difere muito da literatura brasileira contemporânea. Mais uma vez destaque também para Marçal Aquino, duplamente indicado nesta categoria.

FOTOGRAFIA: Walter Carvalho (Baixio das Bestas) seguido por Mauro Pinheiro (Mutum), Toca Seabra (Cão Sem Dono), Lula Carvalho (Tropa de Elite) e Pedro Farkas (Não Por Acaso)

Ele reina suprema: vencedor em 2006, Walter Carvalho leva por uma deslumbrante direção de fotografia no filme de Cláudio Assis. E certamente teria levado na maioria dos anos desde a retomada, se esta enquete existisse antes. Este ano entra na disputa também seu filho e maior discipulo, Lula Carvalho, por uma fotografia visceral em "Tropa".

EDIÇÃO: Daniel Rezende (Tropa de Elite) seguido por Eduardo Escorel e Lívia Serpa (Santiago), Pedro Becker e Jair Peres (O Cheiro do Ralo), Daniel Rezende (Cidade dos Homens) e Manga Campion (Cão Sem Dono)

Com dupla indicação, Rezende leva por "Tropa". De fato o filme tinha problemas narrativos em seu primeiro corte, muitos dos quais foram bem sanados pela edição caprichada de Rezende e pela reescrita do roteiro. Junto com Mantovani, temos aqui o segundo do time de Cidade de Deus levando o prêmio por "Tropa". Mas a disputa não foi fácil já que Serpa e Escorel fazem um trabalho primoroso em Santiago, um filme completado onze anos depois de filmado a partir de um roteiro e uma edição que impressiona.

DIREÇÃO DE ARTE: Marcos Pedroso (A Casa de Alice) seguido por Renata Pinheiro (Baixio das Bestas), Vera Hamburguer (Ó Paí Ó), Rafael Ronconi (Cidade dos Homens) e Marcos Pedroso (Mutum)

Também concorrendo com ele mesmo, Pedroso levou a melhor por A Casa de Alice, um filme onde a direção de arte não chama a atenção para si e talvez por isso seja tão boa. A veracidade que Pedroso dá aos ambiente de uma família de classe média-baixa em São Paulo impressiona e funciona extremamente bem com os demais elementos do filme. Em outra linha o mesmo acontece em Baixio das Bestas, que tem sequencias de uma beleza estética realmente memoráveis, bela conjunção do trabalho de Renata Pinheiro e Walter Carvalho.

ATOR COADJUVANTE: Caio Junqueira (Tropa de Elite) seguido por Paulo José, Lourenço Mutarelli, Roberto Oliveira e Fúlvio Stefanini

Junqueira, ator de larga trajetória apesar da pouca idade, leva a melhor em seu primeiro papel de destaque numa carreira pautada por muitos longas. Quase foram indicados Milhem Cortaz e André Ramiro, também de "Tropa", nesta categoria, o que confere ao filme, junto com a vitória de Wagner Moura, um forte trabalho de atores em conjunto. Paulo José sempre emociona e foi bem lebrado por seu trabalho em Saneamento Básico, bem como o novato ator-autor Lourenço Mutarelli por O Cheiro do Ralo. A aventura de Mutarelli, aliás, rendeu frutos e é ele quem protagoniza o filme Natimorto, também baseado num livro seu, que estréia em 2009. Cão Sem Dono também teve vários quase-indicados mas o mais lembrado foi Roberto Oliveira, veterano dos palcos gaúchos, que faz uma breve porém marcante aparição no filme de Brant e Ciasca.

ATRIZ COADJUVANTE: Berta Zemmel (A Casa de Alice) e Andréia Beltrão (Jogo de Cena) seguidas por Dira Paes (Baixio das Bestas), Camila Pitanga (Saneamento Básico) e Glória Pires (Primo Basílio)

Você deve estar se perguntando, uma atriz num documentário, e ganha prêmio? Se você se perguntou isso é porque não viu Jogo de Cena e nem a sutileza comovente de Andréia Beltrão, aliás uma atriz excepcional e mal aproveitada no nosso cinema. E levou o prêmio junto com Berta Zemmel, que também prima pela sutileza e o bom gosto como a avó que tudo vê em A Casa de Alice. A única categoria empate, e prêmios merecidíssimos.

FIGURINO: Bia Salgado (Noel, Poeta da Vila) seguida por Claudia Kopke (Tropa de Elite), André Simonetti (A Casa de Alice), Bettine Silveira (Ó Paí Ó) e Marjorie Gueller (Batismo de Sangue)

Mais uma categoria nova este ano, com destque para Bia Salgado e seus belos figurinos de época e André Simonetti que conseguiu também grande sutileza em conjunto com a direção de arte de A Casa de Alice.

SOM: Tropa de Elite (Leandro Lima-som direto, Alessandro Laroca-edição de som, Armando Torres Jr.-mixagem) seguidos por Baixio das Bestas, Mutum, Antônia e Cidade dos Homens

É inegável a qualidade e complixidade do trabalho sonoro ultra-realista de "Tropa", e não deixa de ser uma sonoridade que chama mais a atenção (e não que isso seja uma coisa ruim).

TRILHA SONORA: Pedro Bromfman (Tropa de Elite) seguido por Apollo Nove (O Cheiro do Ralo), David Moraes e Caetano Veloso (Ó Paí Ó), Beto Villares (Antônia) e Antonio Pinto (Cidade dos Homens)

Ufa... chegamos à ultima categoria, mais um prêmio para "Tropa", uma trilha contemporânea e que serve muito bem ao filme, numa categoria (nova) com excelentes trabalhos, todos.

E chegamos ao fim da enquete.... Comentários são bem vindos, espero que estas informações sejam de valia e sirvam de estímulo...

PS- Para ver os resultados de 2006, acessem:

http://cantodocharly.blogspot.com/2007/03/melhores-do-cinema-nacional-2006.html

PS2- Aos que estranharem a ausência de "O Passado", esclarecemos que não é por falta de mérito e sim porque a comissão julgou tratar-se de um filme estrangeiro, mesmo que tenha diretor e alguns técnicos brasileiros.