segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

FILOSOFIA BARATA

Faz tempo que não escrevo, e ainda assim surpreendo-me ao saber que algumas (poucas) pessoas lêem este blog. E agora, em meu primeiro dia de férias de facto resolvi encher um pouco de espaço do exíguo blog. Sabe como é, fim de ano, muitos pensamentos vêm à mente, fazemos quele balanço básico e nestas horas o mundo claramente se divide em otimistas e pessimistas, com poucas matizes. E hoje, enquanto caminhava por uma praia infinita, saído do povoado que já ameaçava ostentar seus veraneantes, rumo ao deserto que se descortinava, vi que este ano claramente me junto aos pessimistas. Aliás, sou um pessimista histórico. Chamado de garoto enxaqueca (personagem que não conheço, a não ser por pequenas amostras me feitas pelo Fábio Lucindo, que faz a voz do tal garoto). E aí pensei um monte de coisa, algumas das quais até escreverei aqui, apesar de serem basicamente lugares comuns absurdos... mas verdades nonetheless. Dentro desse pessimismo (exacerbado por um ano difícil, cheio de problemas familiares, traições e até morte) cheguei à conclusão que vivemos num mundo que emburrece. Um mundo que perde seus valores. Um mundo onde as pessoas estão cada vez mais fracas e egoístas. E eu que acreditava que vivíamos uma crise de valores estou absolutamente certo de que a crise econômica decorre destas crise maior de valores. Nunca se falou tanto em consumo, em mercado, em lucro... À minha volta casa vez mais ouço as pessoas falarem em coisas... Parece que o aburguesamento intelectual do mundo chegou a toas as classes: a aristocracia perdeu sua suposta inteligência e perspicácia e as pessoas mais pobres perderam um pouco aquela naivité romântica... Vivemos a democratização das novas mídias: estamos todos conectados rumo ao consumo desenfreiado. Eu sei que isso tudo é um clichezão da porra. Foda-se. Sinto o mundo à minha volta assim. E quando, consciente ou inconsientemente me recuso a participar deste grande mercado, me vejo sugado para dentro dele. Me vejo pronto para me vender. Vendo minha arte, meu talento, qualquer um deles. Quero consumir. Quero participar. Quero? Não sei. Temos opção? Aprendo a viver de leis de incentivo, tento viver razoavelmente de fazer pequenos filmes, vistos por públicos ainda menores e finjo que nada disso existe? Que o mundo não está ficando pior? Ou está? Não sei... sinto que não sei mais nada. Sinto que muitas coisas fogem ao meu controle mas reparo que à minha volta a burrice emana. Parece que quanto mais informação entra na cabeças das pessoas, menos espaço sobra para pensar. E pra terminar, num rompante de otimismo, quem sabe enfim esta crise não serve mesmo para reordenar os valores equivocados dos tempos modernos?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

POLÍTICA E O MUNDO EM CRISE

Acho que não convém ao artista falar de política, mas em geral somos seres altamente politizados. Eu particularmente sempre fui, e lembro-me bem do meu entusiasmo quando a democracia finalmente se abriu para as eleições presidenciais em 1990. Depois houve uma desilusão coletiva, como consequência justamente da eleição de 90. Fui me despolitizando, mas acho que estamos vivendo novamente um momento único na política nacional e mundial e por isso quero comentar e fazer campanha abertamente. Estamos a semanas do segundo turno nas duas principais cidades do brasil e também das eleições norte-americanas. E as pesquisas apontam três nomes importantes na primeira posição. Em dois casos, nomes cuja vitória significará um marco histórico. Vamos a elas. A menos importante, neste cenário, é a eleição de São Paulo. O meu candidato, Gilberto Kassab, não me entusiasma muito. Confesso que voto mais como opção a Marta Suplicy do que qualquer outra coisa. Mas há um fator importante que me gera certa curiosidade e até entusiasmo em Kassab: ele é o homem de José Serra. E Serra é, para mim, o político mais capaz do continente hoje. Porque: Serra é de fato um homem que trabalha (muito),  é capaz, inteligente, um burocrata no melhor sentido da palavra, um político no sentido mais sofisticado e dono de uma biografia exemplar. Suas posturas perante os grandes acontecimento nacionais sempre foram as mais corretas, sob a ótica utilitarista. Vejo em Serra um comprometimento em melhorar a vida dos cidadãos maior do que uma ambição política, e isto é fato quase inédito no cenário politíco brasileiro. E Serra apoiou Kassab, mesmo que veladamente, já no primeiro turno, indo contra as diretrizes do partido (coisa que eu acho louvável... o partido nem sempre está certo, certo?). E algo que jamais ocorreria no PT, que mesmo face à maior crise de corrupção no país não deixou de apoiar seus Delubios e cia. Portanto, se José Serra escolhe Kassab, que ficou sob sua batuta no comando da prefeitura, eu confio em Serra e elejo Kassab. Não quero nem entrar no mérito de "relaxa-e-goza" Marta, mas acredito que só o tempo que gastaria durante a prefeitura com a escova, o laquê, provas de figurino e aplicação de botox já nao faria bem à cidade. 
No Rio de Janeiro temos Gabeira, que dispensa qualquer apresentação. Eu temo que, caso eleito, ele seja engolido pela sórdida máquina política por ser um cara tão honesto, tão do bem, quase pueril no meio da corja política média carioca. Mas não importa. É importante para o país que eleja um homem como Gabeira. Por suas virtudes, essenciais num político, e sempre tão ausente neles. Também para que a sociedade vence certas preconceitos e seja mais cuca-fresca. Gabeira é o anti-crivella, o anti-Macedo, o anti-Joao Alves, o anti tudo o que há de ruim nos governantes deste pais. Num estado que historicamente foi o pior eleitor do pais, afundado por Brizola, Moreira Franco e, pior, Garotinho e Garotinha (dá pra levar a serio uma gente que elege esse casal?) Gabeira vai ser um bálsamo. Viva.
Finalmente temos Obama. Que vêm de encontro às ideias que expressei com Gabeira. Depois de 8 anos de Bush, indiretamente responsável pela lama que assola o mundo hoje, Obama surge como uma alternativa ideológica importante, essencial eu diria. É claro que estamos em épocas pragadas pelas incertezas, mas dar uma chance a Obama é o dever de cidadania de uma nação que já faz tanto bem ao mundo, mas ultimamente tem feito mal. Muito mal. 
*
Fazendo uma ponte com a política mas voltando às artes, comento brevemente sobre o espetáculo A Cabra, ou Quem E Sylvia, em cartaz no teatro Vivo (que aliás, não fica tão longe assim quanto parece- a distância é mais psicológica do que física). O texto de Albee é hilario e pertinente. Jô Soares faz o melhor trabalho de sua carreira como diretor teatral. O cenário de Isay Weinfeld deslumbrante, e mais importante, adequado. Mas o teatro é a casa do ator e neste espetáculo vemos quatro atores brilhantes em seus melhores momentos. José Wilker alia sua habitual inteligência cênica a uma verdade impressionante, sustentada durante toda a duração do espetáculo, no qual não sai de cena jamais. Denise Del Vecchio, mal aproveitada na TV, é de uma precisão milimétrica em sua composição. Fancarlos Reis e Gustavo Machado estão hilarios. Mas o espetáculo usa o humor de uma forma quase subversiva, para ser no fundo, uma peça política importante contra a intolerância. Vale uma ida à Berrini. 

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Alô Rápido

*Descobri que entre meus 4 leitores, um deles é o querido Beto Brant. Fiz a pouco um workshop rápido com ele e no último dia ele me contou que lera o blog inteiro! Perdão, Beto, se te exponho como leitor mas você me expôs como blogueiro para a aula toda! As nossas conversas foram ótimas e pude conhecer melhor o método de criação artística deste jovem mestre, cujos filmes tocam a alma.
*Fui ver CIDADANIA, espetáculo de Mark Ravenhill que eu cogitei montar na Cultura Inglesa a dois anos. Curiosamente, o diretor, Tuna Sezerdello, escalou para a montagem o mesmo protagonista que eu iria escalar: Fábio Lucindo. Como vocês deveriam saber, Lucindo é quase meu alter-ego, e provavelmente protagonizará meu próximo longa (se conseguirmos captar antes que ele cresca demais!). O trabalho dele já vale a peça. A Vejinha disse que é "surpreendente e desenvolto". Isso porque ela não viu meus curtas! Viva este pequeno imenso ator!
* Depois fui ver "Era Uma Vez". Fui querendo muito gostar. Acho "2 Filhos..." uma jóia, belo filme mesmo. Infelizmente a segunda tentativa de Breno Silveira na direção mostrou-se, a meu ver, extremamente equivocada. Um roteiro que não se decide entre o fabular e o realista (e acaba não sendo uma coisa nem outra) abusa dos clichês, resultando numa inverosimilhança alienatória. Thiago Martins, ator de visível força, se esforça para defender a personagem principal mas fracassa, o que fica mais evidente numa estranha narração tipo "making-of" do próprio ao final do filme. Uma pena mesmo, porque o tema (morroXasfalto+descoberta do amor) dá pano pra muita manga. Mas nem as belas imagens do Rio conseguem levar o espectador "médio" a se envolver com uma mal-ajambrada trama cujo final chega a ser risível. O diretor merece, porém, uma nova oportunidade de nos mostrar todo o seu talento num novo filme. Vale lembrar que Silveira, agora diretor, foi um dos grandes fotógrafos do cinema na retomada. E como tudo que a Conspira faz, este filme é dotado de um acabamento técnico notável.

domingo, 15 de junho de 2008

MELHORES DO CINEMA NACIONAL 2007

Chegou a hora de apresentar os resultados da enquete (prefiro esse nome à pomposidade de "premiação") dos melhore do cinema nacional em 2007. Desculpo-me pela demora em postar, mas uma verdadeira maratona de trabalho e um inesperado problema de saúde (já resolvido) acabaram adiando este post. Agora, no final de um repouso forçado, encontro a paz e o tempo necessários para voltar ao blog.

Para aqueles que não conhecem a enquete, no seu segundo ano consecutivo visa lembrar e reconhecer alguns dos nomes do nosso cinema que se destacaram nos filmes com estréia comercial em 2007. Para isso um comitê de 5 pessoas analisou os mais de 60 lançamentos e apontou 5 indicados por categoria. Estas indicações foram enviadas por mim a mais de 200 pessoas de alguma forma ligadas ao nosso cinema (cineastas, atores e artistas em geral, técnicos, críticos, jornalistas e cinéfilos). Novamente fui surpeendido pelo alto numero de pessoas que não puderam votar porque não haviam assistido a pelo menos 4 dos indicados (regra desta "academia"). Mas outros tantos o fizeram e assim chegamos a estes resultados.

No final das contas não deixa de ser uma questão de gosto (ou falta de) e de opiniões, mas acho válida a iniciativa e acho que, para nós que trabalhamos com cinema, é sempre bom relembrar estes filmes e pessoas que os fizeram. Elas merecem, numa arte onde sangue, suor e lágrimas (e rodar a bolsa!) fazem parte do dia a dia de seus operários e artesãos.

MELHOR FILME: Tropa de Elite Seguido por O Cheiro do Ralo, A Casa de Alice, Cão Sem Dono e Proibido Proibir

O fênomeno de "Tropa" alcança até este blog. Embora tenha sido uma disputa acirrada entre todos os filmes, quem levou foi Tropa. Talvez não só pela qualidade do filme mas por tudo o que representou no ano de 2007... a polêmica, as discussões, a questão da pirataria, o Urso em Berlim, e, claro, o público! Tropa foi O blockbuster nacional em 2007 e, apesar de críticas, entrou para o panteão de filmes de "sucesso" e "qualidade", já que, gostem ou não do filme, ele é impecavelmente bem-feito (prova disso é os outros prêmios que levará aqui). Mas vale lembrar que 2007 foi um ano em que a qualidade média dos filmes foi, a meu ver, superior a 2006. Prova disso é ver que todos os indicados aqui são filmes de alto nível e bastante diferentes, o que não deixa de ser um bom sinal.

MELHOR DOCUMENTÁRIO: Santiago Seguido por Jogo de Cena, Cartola, Pro Dia Nascer Feliz e Person

Novamente uma disputa acirrada, mas desta vez apenas entre Santiago e Jogo de Cena. Ambos arrebatam não só por sua inteligência mas também pela audácia de seus temas e da linguagem usada na abordagem destes. Curiosamente, ambos são produzidos pela carioca Videofilmes, que levou o prêmio de melhor filme ano passado por O Céu de Suely. Aqui também vale lembrar que o conjunto dos filmes representou um alto nível em termos de qualidade, temáticas e maneiras de abordar os temas. E 2007 certamente foi o ano dos documentários no Brasil. Eles tiveram muito público e foi enorme o numero de documentários lançados no circuito ano passado, quase igualando-se ao numero de filmes de ficção.

DIREÇÃO: João Moreira Salles (Santiago) Seguido por Eduardo Coutinho, Beto Brant e Renato Ciasca, José Padilha e Sandra Kogut

Provando o vigor dos docs em 2007, Coutinho e Salles disputaram acirradamente o prêmio de direção com Santiago levando a melhor. Foi decisão do comitê que aqui (como nas demais categorias) os documentários entrassem na disputa com a ficção, mas normalmente as ficções são as mais lembradas. Este ano a surpresa, ou nem tanto se pensarmos que tanto Salles como Coutinho tenham apresentado talvez seus melhores trabalhos. Beto Brant, provando ser dos mais prolíficos e inventivos diretores do cinema nacional, foi bem lembrado (este ano ao lado de Ciasca), sendo o único destes também indicado ano passado (por Crime Delicado).

ATOR: Wagner Moura (Tropa de Elite) Seguido por Selton Mello, Caio Blat, Julio Andrade e Maxwell Nascimento

Apesar da brilhante interpretação em O Cheiro do Ralo, 2007 foi não apenas o ano de "Tropa" mas também do fenômeno Wagner Moura. Um papel de alta intensidade no blockbuster do ano aliado a um vilão de altíssima popularidade na novela das 8 consagrou o ator definitivamente (consagração que este ano estende-se ao teatro, com uma enfurecida e genial interpretação em Hamlet). Selton Mello venceu ano passado na categoria coadjuvante por Árido Movie e já desponta como indicado em 2008 por Meu Nome Não é Johnny mas Moura levou a melhor nesta enquete. Destaque também para Caio Blat, por Proibido Proibir, que também teve um ano marcante com belos trabalhos em Baixio das Bestas e Bastismo de Sangue. As "novas caras" foram muito bem representadas por uma composição preciosa de Júlio Andrade em Cão Sem Dono e o novato Maxwell Nasciemento em Querô. Não entraram na disputa mas merecem ser lembradas as performances de Alexandre Rodrigues em Proibido Proibir, Bernardo Marinho em O Passageiro e Rafael Raposo em Noel, Poeta da Vila.

ATRIZ: Carla Ribas (A Casa de Alice) Seguida por Fernanda Torres, Priscila Rozembaum, Tainá Muller e Maria Flor

Num ano marcado por fortes interpretações masculinas os desempenhos femininos, em geral, não chamaram a atenção. Destaque notável para o inspiradíssima atuação de Carla Ribas em A Casa de Alice. E neste prêmio consagra-se também Fátima Toledo, que preparou Carla e também a vencedora do ano passado, Hermila Guedes, e Wagner Moura em Tropa de Elite. Com um trabalho polêmico, festejado por uns e rejeitado por outros, é inegável que o trabalho de Toledo resulta. E já desponta para o ano que vêm outro nome feminino preparado por ela, o de Sandra Corveloni em Linha de Passe. Destaque também para Priscila Rozembaum numa verdadeira tour de force em Carreiras, trabalho que lhe rendeu um kikito em Gramado.

ROTEIRO ORIGINAL: Jorge Durán e Dani Patarra (É Proibido Proibir) seguidos por Chico Teixeira, Marcelo Gomes, Julio Pessoa e Sabina Anzuategui (A Casa de Alice), Jorge Furtado (Saneamento Básico), Phillipe Barcinski, Fabiana Wernek Barcisnki e Eugenio Puppo (Não Por Acaso) e Roberto Moreira e Tata Amaral (Antônia)

Não causa muita surpresa que Durán leve o prêmio já que ele é um dos grandes roteiristas do nosso cinema e brindou o público em 2007 com um filme poderoso. É notável também o roteiro de A Casa de Alice, escrito a 8 mãos a partir de uma idéia de seu diretor, o estreante em longas Chico Teixeira. Embora nos 5 casos o diretor tenha sido um dos roteiristas, em todos os diretores escreveram com colaboradores, com exceção de Jorge Furtado, que é também roteirista por profissão. Parece um saudável sinal para o cinema nacional que sempre teve nos roteiros o seu ponto fraco, e agora parece que os diretores estão se convencendo de que não precisam necessariamente também serem bons roteiristas e nem trabalharem sozinhos.

ROTEIRO ADAPTADO: Bráulio Mantovani, José Padilha e Rodrigo Pimentel (Tropa de Elite) seguidos por Heitor Dhalia e Marçal Aquino (O Cheiro do Ralo) Beto Brant, Renato Ciasca e Marçal Aquino (Cão Sem Dono), Sandra Kogut e Ana Luiza Martins Costa (Mutum) e Elena Soarez (Cidade dos Homens)

Houve um pequeno (grande) erro nesta categoria que talvez devesse até invalidá-la. O que me chocou foi que meu erro (e dos restos dos membros da comissão de indicação) passou desapercebido pelo grande numero de votantes, muitos dos quais roteiristas e diretores e até pessoas que trabalharam em Tropa de Elite: Não trata-se, exatamente, de um roteiro adaptado. Quem me confirmou a suspeito foi o próprio Bráulio Mantovani. Acontece que o roteiro do filme é em grande parte anterior ao livro Elite da Tropa e o fato do ex-capitão Pimentel levar crédito em ambos, e ser um antigo colaborador de Padilha, só aumentou a confusão. Ainda assim, com erro o roteiro levou o prêmio, e com ele Mantovani leva também pelo segundo ano consecutivo. A disputa com O Cheiro do Ralo foi acirrada, sendo "Cheiro" um roteiro de grande originalidade baseado no livro homonimo de Lourenço Mutarelli que também difere muito da literatura brasileira contemporânea. Mais uma vez destaque também para Marçal Aquino, duplamente indicado nesta categoria.

FOTOGRAFIA: Walter Carvalho (Baixio das Bestas) seguido por Mauro Pinheiro (Mutum), Toca Seabra (Cão Sem Dono), Lula Carvalho (Tropa de Elite) e Pedro Farkas (Não Por Acaso)

Ele reina suprema: vencedor em 2006, Walter Carvalho leva por uma deslumbrante direção de fotografia no filme de Cláudio Assis. E certamente teria levado na maioria dos anos desde a retomada, se esta enquete existisse antes. Este ano entra na disputa também seu filho e maior discipulo, Lula Carvalho, por uma fotografia visceral em "Tropa".

EDIÇÃO: Daniel Rezende (Tropa de Elite) seguido por Eduardo Escorel e Lívia Serpa (Santiago), Pedro Becker e Jair Peres (O Cheiro do Ralo), Daniel Rezende (Cidade dos Homens) e Manga Campion (Cão Sem Dono)

Com dupla indicação, Rezende leva por "Tropa". De fato o filme tinha problemas narrativos em seu primeiro corte, muitos dos quais foram bem sanados pela edição caprichada de Rezende e pela reescrita do roteiro. Junto com Mantovani, temos aqui o segundo do time de Cidade de Deus levando o prêmio por "Tropa". Mas a disputa não foi fácil já que Serpa e Escorel fazem um trabalho primoroso em Santiago, um filme completado onze anos depois de filmado a partir de um roteiro e uma edição que impressiona.

DIREÇÃO DE ARTE: Marcos Pedroso (A Casa de Alice) seguido por Renata Pinheiro (Baixio das Bestas), Vera Hamburguer (Ó Paí Ó), Rafael Ronconi (Cidade dos Homens) e Marcos Pedroso (Mutum)

Também concorrendo com ele mesmo, Pedroso levou a melhor por A Casa de Alice, um filme onde a direção de arte não chama a atenção para si e talvez por isso seja tão boa. A veracidade que Pedroso dá aos ambiente de uma família de classe média-baixa em São Paulo impressiona e funciona extremamente bem com os demais elementos do filme. Em outra linha o mesmo acontece em Baixio das Bestas, que tem sequencias de uma beleza estética realmente memoráveis, bela conjunção do trabalho de Renata Pinheiro e Walter Carvalho.

ATOR COADJUVANTE: Caio Junqueira (Tropa de Elite) seguido por Paulo José, Lourenço Mutarelli, Roberto Oliveira e Fúlvio Stefanini

Junqueira, ator de larga trajetória apesar da pouca idade, leva a melhor em seu primeiro papel de destaque numa carreira pautada por muitos longas. Quase foram indicados Milhem Cortaz e André Ramiro, também de "Tropa", nesta categoria, o que confere ao filme, junto com a vitória de Wagner Moura, um forte trabalho de atores em conjunto. Paulo José sempre emociona e foi bem lebrado por seu trabalho em Saneamento Básico, bem como o novato ator-autor Lourenço Mutarelli por O Cheiro do Ralo. A aventura de Mutarelli, aliás, rendeu frutos e é ele quem protagoniza o filme Natimorto, também baseado num livro seu, que estréia em 2009. Cão Sem Dono também teve vários quase-indicados mas o mais lembrado foi Roberto Oliveira, veterano dos palcos gaúchos, que faz uma breve porém marcante aparição no filme de Brant e Ciasca.

ATRIZ COADJUVANTE: Berta Zemmel (A Casa de Alice) e Andréia Beltrão (Jogo de Cena) seguidas por Dira Paes (Baixio das Bestas), Camila Pitanga (Saneamento Básico) e Glória Pires (Primo Basílio)

Você deve estar se perguntando, uma atriz num documentário, e ganha prêmio? Se você se perguntou isso é porque não viu Jogo de Cena e nem a sutileza comovente de Andréia Beltrão, aliás uma atriz excepcional e mal aproveitada no nosso cinema. E levou o prêmio junto com Berta Zemmel, que também prima pela sutileza e o bom gosto como a avó que tudo vê em A Casa de Alice. A única categoria empate, e prêmios merecidíssimos.

FIGURINO: Bia Salgado (Noel, Poeta da Vila) seguida por Claudia Kopke (Tropa de Elite), André Simonetti (A Casa de Alice), Bettine Silveira (Ó Paí Ó) e Marjorie Gueller (Batismo de Sangue)

Mais uma categoria nova este ano, com destque para Bia Salgado e seus belos figurinos de época e André Simonetti que conseguiu também grande sutileza em conjunto com a direção de arte de A Casa de Alice.

SOM: Tropa de Elite (Leandro Lima-som direto, Alessandro Laroca-edição de som, Armando Torres Jr.-mixagem) seguidos por Baixio das Bestas, Mutum, Antônia e Cidade dos Homens

É inegável a qualidade e complixidade do trabalho sonoro ultra-realista de "Tropa", e não deixa de ser uma sonoridade que chama mais a atenção (e não que isso seja uma coisa ruim).

TRILHA SONORA: Pedro Bromfman (Tropa de Elite) seguido por Apollo Nove (O Cheiro do Ralo), David Moraes e Caetano Veloso (Ó Paí Ó), Beto Villares (Antônia) e Antonio Pinto (Cidade dos Homens)

Ufa... chegamos à ultima categoria, mais um prêmio para "Tropa", uma trilha contemporânea e que serve muito bem ao filme, numa categoria (nova) com excelentes trabalhos, todos.

E chegamos ao fim da enquete.... Comentários são bem vindos, espero que estas informações sejam de valia e sirvam de estímulo...

PS- Para ver os resultados de 2006, acessem:

http://cantodocharly.blogspot.com/2007/03/melhores-do-cinema-nacional-2006.html

PS2- Aos que estranharem a ausência de "O Passado", esclarecemos que não é por falta de mérito e sim porque a comissão julgou tratar-se de um filme estrangeiro, mesmo que tenha diretor e alguns técnicos brasileiros.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

MELHORES DO CINEMA NACIONAL 2007 - INDICADOS

Amigos internautas,
Estamos celebrando o segundo ano do prêmio, cujo comitê de indicados aumentou este ano. Considereram-se todos os lançamentos e cinema brasileiros entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2007. Os indicados são:

FILME
O Cheiro do Ralo (Primo Filmes e Geração Conteúdo)
Proibido Proibir (El Desierto Filmes)
Cão Sem Dono (Drama Filmes)
Tropa de Elite (Zazen)
A Casa de Alice (Superfilmes)

DOCUMENTÁRIO
Cartola (Raccord, Lereby, Globo)
Pro Dia Nascer Feliz (Tambellini, Fogo Azul, Globo)
Person (DezeNove)
Santiago (Videofilmes)
Jogo de Cena (Videofilmes)

DIRETOR
Beto Brant e Renato Ciasca (Cão Sem Dono)
José Padilha (Tropa de Elite)
Sandra Kogut (Mutum)
João Moreira Salles (Santiago)
Eduardo Coutinho (Jogo de Cena)

ATOR
Selton Mello (O Cheiro do Ralo)
Caio Blat (Proibido Proibir)
Julio Andrade (Cão Sem Dono)
Wagner Moura (Tropa de Elite)
Maxwell Nascimento (Querô)

ATRIZ
Priscilla Rozenbaum (Carreiras)
Maria Flor (Proibido Proibir)
Tainá Muller (Cão Sem Dono)
Fernanda Torres (Saneamento Básico)
Carla Ribas (A Casa de Alice)

ROTEIRO ORIGINAL
Jorge Duran e Dani Patarra (Proibido Proibir)
Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugenio Puppo (Não Por Acaso)
Jorge Furtado (Saneamento Básico)
Chico Teixeira, Marcelo Gomes, Julio Pessoa, Sabina Anzuategui (A Casa de Alice)
Roberto Moreira e Tata Amaral (Antonia)

ROTEIRO ADAPTADO
Heitor Dhalia e Marçal Aquino (do livro homônimo de Lourenço Mutarelli) O Cheiro do Ralo
Beto Brant, Renato Ciasca e Marçal Aquino (do livro Até o Dia em Que o Cão Morreu, de Daniel Galera) Cão Sem Dono
Elena Soarez (do seriado de TV homônimo) Cidade dos Homens
Bráulio Mantovani, José Padilha e Rodrigo Pimentel (do livro Elite da Tropa, de André Batista, Rodrigo Pimentel e Luiz Eduardo Soares) Tropa de Elite
Sandra Kogut e Ana Luiza Martins Costa (do livro Campo Geral, de Guimarães Rosa) Mutum

FOTOGRAFIA
Walter Carvalho (Baixio das Bestas)
Pedro Farkas (Não Por Acaso)
Toca Seabra (Cão Sem Dono)
Lula Carvalho (Tropa de Elite)
Mauro Pinheiro Jr. (Mutum)

EDIÇÃO
Pedro Becker, Jair Peres (O Cheiro do Ralo)
Manga Campion (Cão Sem Dono)
Daniel Rezende (Cidade dos Homens)
Daniel Rezende (Tropa de Elite)
Eduardo Escorel, Lívia Serpa (Santiago)

DIREÇÃO DE ARTE
Vera Hambúrguer (Ó Pai Ó)
Renata Pinheiro (Baixio das Bestas)
Rafael Ronconi (Cidade dos Homens)
Marcos Pedroso (A Casa de Alice)
Marcos Pedroso(Mutum)

ATOR COADJUVANTE
Lourenço Mutarelli (O Cheiro do Ralo)
Roberto Oliveira (Cão Sem Dono)
Caio Junqueira (Tropa de Elite)
Paulo José (Saneamento Básico)
Fúlvio Stefanini (Caixa 2)

ATRIZ COADJUVANTE
Berta Zemmel (A Casa de Alice)
Dira Paes (Baixio das Bestas)
Glória Pires (Primo Basílio)
Andréia Beltrão (Jogo de Cena)
Camila Pitanga (Saneamento Básico)

FIGURINO
André Simonetti (A Casa de Alice)
Bettine Silveira (Ó Pai Ò)
Claudia Kopke (Tropa de Elite)
Marjorie Gueller (Batismo de Sangue)
Bia Salgado (Noel- Poeta da Vila)

SOM
Antonia
Baixio das Bestas
Cidade dos Homens
Tropa de Elite
Mutum

TRILHA SONORA
David Moraes e Caetano Veloso (Ó Paí Ò)
Apollo Nove (O Cheiro do Ralo)
Pedro Bromfman (Tropa de Elite)
Beto Villares (Antonia)
Antonio Pinto (Cidade dos Homens)

Indicações por Filme:
10- Tropa de Elite
8- Cão Sem Dono
6- O Cheiro do Ralo, A Casa de Alice
5- Cidade dos Homens, Mutum
4- Proibido Proibir, Saneamento Básico, Baixio das Bestas
3- Antônia, Santiago, Ó Pai Ó, Jogo de Cena
2- Não Por Acaso
1- Batismo de Sangue, Noel, Primo Basílio, Person, Cartola, Pro Dia Nascer Feliz, Caixa Dois, Carreiras, Querô

terça-feira, 1 de abril de 2008

Sin Rumbo




Acho que enconrei o título do meu primeiro longa... Sin Rumbo. Inspirado pela descoberta, compus a letra que deverá servir à cancao título... Segue:

Sigo por este camino
Dejo todo por detrás
Viajo hacia el infinito
No sé donde voy a parar
Quiero alejarme y alejarme
de la gente y de la ciudad
Descubrir un mundo nuevo
y a mi mismo encontrar
Sigo sin Rumbo, sin rumbo
Sigo sin rumbo... sin rumbo
Lo que llaman sociedad
Y la supuesta civilización
a veces es más salvage
que la selva y sus leones
Voy en busca de un amor
Y mi lugar en el mundo
No se si lo voy a encontrar
ni en lo frivolo ni en lo profundo
Sigo sin rumbo, sin rumbo
Sigo sin rumbo, sin rumbo
Y cuando salga el sol
Toda va a mejorar
Porque para el caminante
el camino se hace al andar
Tomo tu mano en la mia
Sé que puedo confiar
Brindemos a la alegria
de este nuevo despertar
Sigo sin rumbo, sin rumbo
Sigo sin rumbo, sin rumbo...

quinta-feira, 27 de março de 2008

Águas de Marzo





Viva os teclados estrangeiros... resolvi postar alguma coisa, qualquer coisa, será que alguém le coisa alguma aqui? Nao sei, nao me importa. Escrevo mesmo assim. Os amigos de Antonia continuam aparecendo, deixando comentários (alguém me disse que é difícil deixar comentários, ou que eles pedem sei lá o que, nao sei... chatices da cibernália).

Estou de luto agora no por uma pessoa amada, e sim por um lugar amado. O lugar amado. Eu sei, soa estranho, absurdo até... Mas este lugar que se vai (uma propriedade da família vendida) tem um valor quase humano. Pois além de todos os atributos que possui foi aqui que eu e minha família depositamos nossas energias e foi este lugar que nos brindou os momentos mais mágicos de nossa existencia (pelo menos da minha).
Aqui aprendi a dirigir, a andar a cavalo, a fazer piquenique... Vi incontáveis estrelas cadentes, descobri onde fica o sul e o norte, conheci os ventos, vi tantas e tantas vezes o sol se por, no horizonte longe, e outras tantas a lua sair vermelha, cheia, minguante... E algumas vezes vi a lua sair e o sol se por ao mesmo tempo... Vi também a lua se por, muitas vezes, chegando da noitada... e tantas vezes cheguei com o sol nascendo, os passarinhos cantando me dando boa noite, ou bom dia... Aqui dormi nos bracos da mulher mais linda com quem dormi na vida (e nao só dormimos), aqui passei madrugadas jogando conversa fora... aqui li "Educacao Sentimental", "On The Road" e tantos outros clássicos. Aqui dei meu primeiro show... de música mesmo, com a ilustre presenca de minha prima Josefina, que nos guarda do céu. Aqui jamais vi televisao, e estranho agora ter internet. Aqui, em La Cumbre, nao tínhamos luz até meus onze anos... eram só velas e depois um motor a diesel, pequeno gerador, que o Vasco, saudoso caseiro, apagava às 10 da noite (corríamos para a cama). E depois veio o telefone mas só na casa dele, Vasco, a 200 metros da nossa. E tinha uma cadeira de barbeiro, do lado de fora, do lado o telefone. Mesmo assim a gente ia pra cidade, pra praia, pra vida, e todo mundo se encontrava... sem celular nem nada. Aqui tive conversas profundas com todos os meus primos preferidos, inclusive a Antonia. Aqui chorei rios mas também me senti um rei, amado. Aqui é sem dúvida o lugar mais lindo do mundo. A casa perfeita. Simples, escondida entre as plantas, sobre uma colina, dominando uma vista que se estende por até 70 kilometros (e aqui o clima é tao bom que quase sempre voce ve longe), em 360 graus. Lá embaixo correu um rio, que nos separa delicadamente da cidade. Aqui tem umas pedras cinzas, fortes (?), e no meio delas fizemos um buraco e onde está a piscina mais linda do mundo (indiscutivelmente). Aqui, plantamos mais de 5000 árvores. Elas tem exatamente a minha idade. Crescemos juntos, elas e eu... E foi mágico acompanhar este crescimento, o delas, cada uma a seu ritmo. Aqui tem um gato siamês selvagem (isto existe). Aqui já vi raposas, colhereiros, cisne de pescoco negro, patos de vários tipos, tchahans, galinhas de angola, todos que moram aqui, nao em cativeiro. E o mais louco é que aqui fica a 8 kilometros do mar e a 15 de uma cidade que supostamente é o ponto mais glamuroso do atlântico (exageros a parte aqui está cada vez mais cafona mas há uma sofisticacao sem igual). Pra culminar, aqui fica no Uruguai, que é um país absolutamente adorável. Mil lágrimas para La Cumbre.

terça-feira, 4 de março de 2008

Na Natureza Selvagem

Consegui finalmente assistir o filme de Sean Penn, Into The Wild (Na Natureza Selvagem) ontem à noite. É arrebatador. Não deixem de ver, no cinema, como corresponde a uma obra-prima. Vamos lá: o roteiro é profundo, sólido. Sean Penn revela-se um excelente diretor (e roteirista), num trabalho que de certa forma espelha a carreira dele como ator. A fotografia e câmera de Eric Gautier é de uma beleza e inteligência raras. Emile Hirsch.... o que é Emile Hirsch? Alô Oscar! Este garoto tem futuro. Aliás o elenco inteiro está genial, mas Emile está messiânico. A música de Eddie Vedder é simplesmente perfeita. Mas o que mais impressiona neste filme é como ele resgata valores perdidos e nos faz enxergar que a nossa sociedade, embora cada vez mais "civilizada" e "evoluida" na verdade vêm sofrendo um retrocesso em seus valores mais básicos, nos princípios que a regem. E isto que o filme se passa em 1992! Não sou sociólogo pra ficar elocubrando as razões do que vejo como um retrocesso. Mas o herói de Sean Penn é um andarilho que vive e prega uma retidão moral e um respeito à vida acima de qualquer coisa. Bonito de se ver, e um belo toque para todos nós.
PS- Um apelo aqui ao Cine Bombril... ontem a sessão atrasou 20 minutos, depois eles se atrapalharam com os comercias (que tivemos que ver duas vezes!) e a sala (ruim) estava cheia. Pergunto: se o filme tá um sucesso, porque não o colocam na sala grande?

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

ANTONIA NABUCO

Caros leitores,

Hoje escreverei sobre uma pessoa especialissima que nao esta mais entre nos, aqui neste plano, mas que esta da forma em que cada um de nós conceba que pode estar uma pessoa fora do plano fisico. Nao acredito em duendes, ovnis, astrologia, nada disso, embora minha metade brasileira me faca dar uma espiada no horoscopo de vez em quando. Mas neste caso sei que Antonia existe ainda, existe num lugar muito especial dentro de mim e de todos que a conheceram e entao fica a estranha sensacao de que Antonia pessoa fisica está de fato. Estranha sensacao tambem o nao poder ouvi-la, nao poder compartilhar dos seus pensamentos frescos a toda hora. Estranha sensacao de um vazio infinito que é uma das ironias deste mundo, que ainda assim é belo. Porque nos permite estar em contato com pessoas como Antonia, mesmo que depois a arranque de nós. Porque ficam as lembrancas, as vivencias, as fotos... É tudo muito estranho mesmo.

Perdoem a falta de acentuacao: computadores estrangeiros. Depois de despedir-me dela tive que partir, para longe; do que era seu entorno, de perto da dor. Cada um lida com a tristeza à sua maneira. Ia esperar, meditar, me inspirar antes de escrever sobre Antonia. Mas resolvi entrar no blog e comovido li manifestacoes de duas pessoas que eu nao conheco, que deixaram comentarios sobre o meu post anterior, onde eu falava dela. E comoveu-me de tal maneira constatar mais uma vez o poder desta enorme rede de afetos que Antonia possuia; comoveu-me enormemente que duas pessoas estranhas me deixem recados emocionados porque, assim como eu, sentem com tanto pesar a partida da querida prima. E isto me fez refletir, me inspirou e com sentido de urgencia faz com que agora eu me esqueca de que é sexta-feira a noite, de que ha um mundo pulsando la fora, de que eu so terei 28 anos uma vez na vida... Nada mais importa agora. Porque Antonia esta aqui, esta presente, me guia nesta palavras dificeis.

No seu enterro, essa cerimonia tao difícil e necessaria inventada pelo homem, atrevi-me a falar diante das quase duzentas pessoas que se aglomeravam no cemiterio Sao Joao Batista. Jamais havia feito algo parecido. Quando me vejo obrigado a apresentar um filme meu num festival de cinema falta-me o ar. Mas ali novamente a forca de Antonia me impeliu a superar uma dificuldade, pois me era vital prestar-lhe uma homenagem, sobretudo em meio a uma situacao surreal... Aquela demora, os pedreiros que pareciam nao saber o que fazer, numa estranha correlacao com todos nos ali, que nao sabiamos o que fazer literalmente e tampouco frente a dor que sentiamos. Resolvi falar, e o que disse, ou o que consegui dizer tomado pela emocao, foi que Antonia deixa o legado de uma enorme rede de afetos que parece nao ter fim. E de repente, quando li os comentarios de uma medica e um professor de escola dela(!) no meu blog, me senti muito proximo a eles. Porque mais uma vez me senti deliciosamente envolto na rede de afetos de Antonia. Porque, perdoem a aparente cafonice mais é assim mesmo, Antonia era amor.

Nao há pessoa que nao tenha passado alguns minutos com ela e nao se lembre com carinho destes minutos. Como disse Jadyr, grande amor da vida dela e grande companheiro (e mais um achado na sua rede afetos) estar perto dela era um verdadeiro privilégio. Muitas pessoas diziam a Jadyr que ele era um santo, uma pessoa iluminada (e isso ele é mesmo) por ter estado ali, sempre presente e sempre batalhando ao longo dos sete anos em que Antonia lutou contra a doenca. E ele sempre respondia, sereno, "Querido, nao sou santo nada. Cada minuto ao lado dela é um privilégio".

As virtudes de Antonia sao tantas que prefiro falar das mais importantes: a fé, a forca, a compaixao, a bondade, a honra, a dignidade, a presteza, o afeto inesgotável, a inteligencia afiada, o charme, a graca, a curiosidade, a espontaniedade, a verdade... Até o que, na maioria das pessoas é um defeito, nela eram parte do charme: a vaidade, a teimosia... eram características tao intrínsecas a ela que, em vez de desagradar, enterneciam.

Mas talvez a maior das virtudes dela (e isso eu consegui dizer no enterro) era que, em contato com Antonia, diante dela, éramos pessoas melhores. Frente a Antonia virávamos sempre a melhor pessoa que podíamos ser. Era como se as virtudes dela, de tao fortes, passasem a nós. Talvez nenhuma cancao se aplicaria tao bem a ela como se "Se todos fossem iguais a voce, que maravilha viver" de Jobim (a belíssima cancao de Joao Nabuco é hors-concours, já que foi feita em homenagem a ela).

Em todos estes anos de convivio, mesmo quando bem próximo, nunca houve mau-tempo com Antonia. Jamais a vi reclamar, por exemplo, de absolutamente nada, mesmo quando, cansada, talvez sentisse que nao teria forcas para seguir lutando. Eu nao posso nem quero imaginar o sofrimento pelo qual passou a vida inteira, e sobretudo nos últimos anos e, de maneira mais violenta, nos últimos meses. Mesmo assim nunca uma reclamacao, uma queixa, nada. Mesmo no fim ela conseguia dar amor, dar afeto, dar e dar. Incansável.

Por isso as lembrancas e as licoes servem como uma pequena compensacao para nós que ficamos aqui com a dor e a saudade imensa. Porque tudo o que ela nos deu servirá como instrumento para uma vida mais rica, mais profunda, mais verdadeira. Os valores de Antonia eram sólidos como as piramides de Egito. Eles nos iluminam nos momentos difíceis. E fica a sensacao, mais uma estranha sensacao, de que talvez Antonia fosse mesmo um anjo disfarcado de linda mulher que veio a esta terra para nos mostrar tudo isso, para nos guiar, nos dar ferramentas, ensinar. Seria uma explicacao aparentemente absurda porém lógica para a sua inesgotável alegria e serenidade mesmo frente a maior das tragédias. Porque além de amor, e luz, Antonia era paz.

Paz Antonia! Amén.

PS- Entre mais outras virtudes de Antonia havia sempre o humor, muito humor e algo de pueril e inocente nela que se contrapunha muito graciosamente à sua inteligencia e astúcia. Devo a ela as maiores gargalhadas da minha vida numa temporada no apartamento dela em Nova Iorque, quando ela foi lutar pela sua carreira lá (e fez muito sucesso na empresa Landor, onde foi responsável pela guaribada na imagem da hoje velha Varig, entre outros feitos). Chego eu de Boston, para passarmos mais um final de semana juntos, e eis que surge Antonia com uma roupa de ginástica hilària, rosa choque e azul, e um tapetinho de ioga que ela prontamente colocou no chao. Havia recém terminado um daqueles milhares de capuccino em pó que eram seu pequeno vício e eu imaginei que ela também havia aderido ao Ioga, em boom na època. De repente Antonia coloca uma fita no VHS e eis que surge na tela primeiro a imagem de uma boca de fogao queimando, enquanto a narracao pouco sutil falava em perder calorias. Entao aparece uma mulher loira de meia idade com uma roupa ainda mais ridícula que a da Antonia, sob a insignia "Breathing Gymnastics with Greer Childers, mother of three". Greer era loira, com um enorme cabelo estilo anos 80, e estava frente a um cenário horroroso que inlcuía uma lareira de mentira. E entao Greer comeca a fazer na TV poses que fazem Jane Fonda parecer Audrey Hepburn em Breakfst at Tifannys. Era posicao de gato, de cachorro, revirava os olhos, sempre com uma profunda respiracao e depois uma expiracao muito barulhenta, um "Puhhhhh" que parecia que a Greer ia sufocar-se ali na tela. Incrédulo, eu vi Antonia tentando imitar as obscenas ginásticas faciais e corporais de Greer até que nao resisti e tive o primeiro de uma série de ataques de riso, daqueles de provocar muitas lágrimas e doer a barriga até achar que o riso virou tortura. Antonia imediatamente se deu conta do absurdo da situacao e comecou a rir também e assim ficamos uma boa meia hora, rebobinando a fita e rindo. Antonia disse que tinha visto o anúncio no 1800, pareceu bom e comprou. E mais risadas. No final de semana seguinte Guilhermina juntou-se a nós e Antonia e eu colocamos o video e demos mais risadas com ela... Esgotamos Greer de tanto rir!
PS2- Queria uma linda foto da Antonia pra colocar aqui... nao tenho nenhuma comigo aqui no sul, peco que enviem por email...
PS3- fecho este texto com o link, que o Caio me mandou, da própria Greer e um trecho do vídeo que descrevo acima... sensacional!

domingo, 3 de fevereiro de 2008

2008

Aos meus 4 leitores, algumas novas, já que um ou outra reclama da falta de postagens.
* Passei os últimos 2 meses escrevendo, produzindo e dirigindo o meu primeiro longa-metragem, provisoriamente entitulado "En Ruta". Trata-se de um road movie que conta uma história de amor entre um jovem argentino e uma belga. Foi todo filmado no Uruguai, e pretende ser também um retrato do país hoje. Pois é, eu sei que ninguém faz um filme assim tao rápido, mas eu fiz, fazer o que? Era pegar ou largar. Rendeu-me 55 horas de material com coisas incríveis que vou precisar de meses para editar (e um belo patrocinador para finalizar, voluntarie-se alguém!). O elenco nao pode ser mais heterogeneo... temos vários nao atores, pessoas de carne e osso mesmo, dos lugares, que contracenam com o casal principal, dois ex-estudantes de teatro argentinos, Esteban Feune de Colombi e Jill Mulleady (ele hoje escritor e ela hoje pintora). A eles junta-se o artista plástico Hugo Arias, a grande dama do teatro e cinema China Zorrilla (cujas cenas deverao ser filmadas em dois dias, e ela ainda nao disse que faz o filme!!!) e a querida Guilhermina Guinle. Naomi Campbell faz um cameo.
* No meio disso tudo faleceu minha queridíssima prima Antonia Nabuco. Ela merece um post só para ela, que escreverei com calma. Só posso dizer que a passagem dela me provocou uma tristeza sem fim e me deixa uma saudade enorme, e um vazio difìcil de preencher.
Foram tempos conturbados. E onde um sentimento de realizacao forte mesclou-se com este pesar gigantesco. Mas a vida tem destas coisas, tao estranhas. Nos dá e tira de nós o tempo todo. "A vida sempre pega a gente numa curva, é feito chuva em plena tarde de verao" dizia a cancao do meu caro Fábio Jr.
E em breve serao as águas de marco, fechando o verao. Que vai me deixar um filme que, espero, seja uma bela obra para a posteridade, e umas saudades eternas de Antonia, que me abencoa de onde estiver.