domingo, 2 de agosto de 2009

Exercício n. 2: Formas Breves

Durante a minha breve passagem pelo Rio de Janeiro fui duas vezes assistir ao (ótimo) espetáculo, ou "quase não-peça" Exercício n. 2: Formas Breves, de Bia Lessa. Os meus três ou quatro leitores devem saber que ando com uma certa preguiça de teatro em geral, e desde a última vez em que estive num palco como ator (há dois anos, em Os Crimes de Preto Amaral) tampouco tive muita vontade de voltar a fazer teatro. Pois tudo isso foi revisto ao me deparar com esta pequena jóia, que une fragmentos de livros de diversos autores (Dostoiévski, Tchecov, Thomas Bernhard, Kafka, Sérgio Sant’anna, André Sant’anna, Anaïs Nin, Pedro Almodóvar, Walt Whitman, Antonin Artaud, Elias Canetti, Bertold Brecht, Ian MacEwan, Marguerite Duras, Honoré de Balzac).
A experiência deve sua força a duas razões:
1- O espetáculo: unindo os tais fragmentos a uma encenação inspirada e original, Bia Lessa (aqui com a habilidosa costura dramatúrgica de sua filha, a física Maria Borba) consegue momentos de alto impacto emocional. Apesar de não ter uma "história", a emoção se faz presente em vários momentos ao misturar imagem, som e palavras de uma maneira que deveria servir de inspiração ao teatro que comumente se vê por aí. Alguns dos fragmentos são projetados, destacando ainda mais a força e a qualidade dos textos escolhidos. A iluminação, a música e a mise-en-scene em determinados momentos atinge uma beleza realmente sublime, que por si só já me causaria comoção. Aliadas à cuidadosa escolha dos textos e a um elenco jovem e dedicado, transcende.
2- O lugar: Reconheço minha enorme ignorância, mas desconhecia a existência de um teatro em pleno Jardim Botânico. Pois bem, trata-se de um verdadeiro acontecimento. Na sexta-feira em que fui pela primeira vez confesso que fiz um certo esforço, pois chovia torrencialmente na cidade e eu estava com uma significativa ressaca. O táxi que me levava se enganou e me deixou a cem metros do portão que dá acesso ao teatro. Mas a caminhada (de uns trezentos metros) entre a rua Jardim Botâncio e o teatro foi memorável. A chuva a pouco havia cessado, e uma verdadeira orquestra sinfônica de sons de mata atlântica me fez companhia por entre árvores centenárias, perfumadas de um cheiro que, mesmo para quem não mora em São Paulo, comove. À beira do caminho casarões da melhor estirpe de arquitetura colonial (e também do fim do século 19) brotavam silenciosos e imponentes. O teatro, por fora, tem a fachada (ou a parte da frente) de época, belíssimo. Dentro, trata-se de um moderno e elegante teatro desprovido de palco italiano, onde de cara vemos o proscênio coberto de roupas pretas, que junto a pequenas cordas de aço darão encantamento ao espetáculo. Não conheço tantos teatros mundo afora, mas arrisco o palpite de que o teatro Tom Jobim, no Jardim Botâncio, deve facilmente ser um dos espaços teatrais mais encantadores do planeta. Conhecê-lo valeria a viagem. Ver, também, o espetáculo Exercício n. 2: Formas Breves, faz o programa ser imperdível. Em cartaz até o final de agosto. Corram!
*
Torço pelo sucesso de À Deriva na bilheteria. Por várias razões, mas principalmente porque validaria o investimento (inédito) de "dinheiro bom" de um estúdio americano em um filme brasileiro (no caso a Focus Features, braço "indie" da gigante Universal, através da competente produtora O2). Mas creio nunca antes ter visto tamanho racha na crítica de mídia impressa e "internética" (web? eletrônica? cibernética? quem acompanha!). Enquanto os três principais jornais escreveram críticas favoráveis (bom, segundo a Folha e Estado, boneco sentado aplaudindo, segundo O Globo), as três críticas dos sites Cinequanon e Revista Cinética (os de maior prestígio, em se tratando da internet) foram fortemente negativas. Taí algo a se pensar.
*
Foi um grande hiato em silêncio aqui neste blog. Imagino que ele esteja terminando. Prometo para esta semana os resultados da esperada enquete MELHORES DO CINEMA NACIONAL 2008. Os votos ainda estão chegando e, adianto, estão disputadíssimos, na categoria de melhor filme, entre Linha de Passe e Meu Nome Não é Johnny.

sexta-feira, 20 de março de 2009

As enchentes em São Paulo nunca deixam de existir...
Domingo realizo um sonho de longa data: verei Radiohead ao vivo.
Durante o show chegarei aos trinta.
Me assusta e excita.
Muitas incertezas me esperam.
Encontro-me cansado e feliz com um corte razoável de meu primeiro longa.
Moro no apartamento dos meus sonhos, não sei por quanto tempo ainda...
Mas quem sabe na vida o tempo que duram as coisas?


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Editando

Estou em pleno (mais pro fim, na verdade) processo de edição do longa. Em crise com o título, que por hora segue sendo POR EL CAMINO, prático mas óbvio. Tem sido um processo muito instigante, muitas vezes divertido e essencial para mim na conclusão deste filme que é praticamente um "one man show" (sem desmerecer todos os colaboradores, a maioria excelentes...). Mas de fato quem carregou mesmo esse filme nas costas (e no bolso) fui eu e apenas eu e sinto-me absolutamente no direito de chamar este filme de "um filme de" (curiosamente não costumo fazer isso nos créditos, embora tenha escrito, dirigido e produzido todos os meus filmes até hoje).
Venho feliz de 8 horas junto ao meu co-montador (sim, somos dois mas me referirei a ele simplesmente como montador) o sensível Fernando Coster e, tendo revisado já 60% do "juntão" (uma primeira junção, na ordem, de todas as cenas do filme já montadas) reduzimos o tempo total de 2h 36 min para 2h 12 minutos... O melhor é que temos feito isso sem maiores sofrimentos (para mim). Diretores são sempre apegados, mas neste caso, como trata-se de um filme recheado de elementos pessoais, pensei que não conseguiria me desvencilhar tão facilmente de certas cenas, certas imagens... Mas é impressionante como o filme vai nos falando, vai nos guiando neste duro processo de jogar tanta coisa fora... Algum dia falarei sobre edição da vida, um tema muito interessante a se discutir; estou editando a minha.
Em todo caso, mandarei posts eventuais informando aos meus 3 leitores de como anda o processo.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

FILOSOFIA BARATA

Faz tempo que não escrevo, e ainda assim surpreendo-me ao saber que algumas (poucas) pessoas lêem este blog. E agora, em meu primeiro dia de férias de facto resolvi encher um pouco de espaço do exíguo blog. Sabe como é, fim de ano, muitos pensamentos vêm à mente, fazemos quele balanço básico e nestas horas o mundo claramente se divide em otimistas e pessimistas, com poucas matizes. E hoje, enquanto caminhava por uma praia infinita, saído do povoado que já ameaçava ostentar seus veraneantes, rumo ao deserto que se descortinava, vi que este ano claramente me junto aos pessimistas. Aliás, sou um pessimista histórico. Chamado de garoto enxaqueca (personagem que não conheço, a não ser por pequenas amostras me feitas pelo Fábio Lucindo, que faz a voz do tal garoto). E aí pensei um monte de coisa, algumas das quais até escreverei aqui, apesar de serem basicamente lugares comuns absurdos... mas verdades nonetheless. Dentro desse pessimismo (exacerbado por um ano difícil, cheio de problemas familiares, traições e até morte) cheguei à conclusão que vivemos num mundo que emburrece. Um mundo que perde seus valores. Um mundo onde as pessoas estão cada vez mais fracas e egoístas. E eu que acreditava que vivíamos uma crise de valores estou absolutamente certo de que a crise econômica decorre destas crise maior de valores. Nunca se falou tanto em consumo, em mercado, em lucro... À minha volta casa vez mais ouço as pessoas falarem em coisas... Parece que o aburguesamento intelectual do mundo chegou a toas as classes: a aristocracia perdeu sua suposta inteligência e perspicácia e as pessoas mais pobres perderam um pouco aquela naivité romântica... Vivemos a democratização das novas mídias: estamos todos conectados rumo ao consumo desenfreiado. Eu sei que isso tudo é um clichezão da porra. Foda-se. Sinto o mundo à minha volta assim. E quando, consciente ou inconsientemente me recuso a participar deste grande mercado, me vejo sugado para dentro dele. Me vejo pronto para me vender. Vendo minha arte, meu talento, qualquer um deles. Quero consumir. Quero participar. Quero? Não sei. Temos opção? Aprendo a viver de leis de incentivo, tento viver razoavelmente de fazer pequenos filmes, vistos por públicos ainda menores e finjo que nada disso existe? Que o mundo não está ficando pior? Ou está? Não sei... sinto que não sei mais nada. Sinto que muitas coisas fogem ao meu controle mas reparo que à minha volta a burrice emana. Parece que quanto mais informação entra na cabeças das pessoas, menos espaço sobra para pensar. E pra terminar, num rompante de otimismo, quem sabe enfim esta crise não serve mesmo para reordenar os valores equivocados dos tempos modernos?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

POLÍTICA E O MUNDO EM CRISE

Acho que não convém ao artista falar de política, mas em geral somos seres altamente politizados. Eu particularmente sempre fui, e lembro-me bem do meu entusiasmo quando a democracia finalmente se abriu para as eleições presidenciais em 1990. Depois houve uma desilusão coletiva, como consequência justamente da eleição de 90. Fui me despolitizando, mas acho que estamos vivendo novamente um momento único na política nacional e mundial e por isso quero comentar e fazer campanha abertamente. Estamos a semanas do segundo turno nas duas principais cidades do brasil e também das eleições norte-americanas. E as pesquisas apontam três nomes importantes na primeira posição. Em dois casos, nomes cuja vitória significará um marco histórico. Vamos a elas. A menos importante, neste cenário, é a eleição de São Paulo. O meu candidato, Gilberto Kassab, não me entusiasma muito. Confesso que voto mais como opção a Marta Suplicy do que qualquer outra coisa. Mas há um fator importante que me gera certa curiosidade e até entusiasmo em Kassab: ele é o homem de José Serra. E Serra é, para mim, o político mais capaz do continente hoje. Porque: Serra é de fato um homem que trabalha (muito),  é capaz, inteligente, um burocrata no melhor sentido da palavra, um político no sentido mais sofisticado e dono de uma biografia exemplar. Suas posturas perante os grandes acontecimento nacionais sempre foram as mais corretas, sob a ótica utilitarista. Vejo em Serra um comprometimento em melhorar a vida dos cidadãos maior do que uma ambição política, e isto é fato quase inédito no cenário politíco brasileiro. E Serra apoiou Kassab, mesmo que veladamente, já no primeiro turno, indo contra as diretrizes do partido (coisa que eu acho louvável... o partido nem sempre está certo, certo?). E algo que jamais ocorreria no PT, que mesmo face à maior crise de corrupção no país não deixou de apoiar seus Delubios e cia. Portanto, se José Serra escolhe Kassab, que ficou sob sua batuta no comando da prefeitura, eu confio em Serra e elejo Kassab. Não quero nem entrar no mérito de "relaxa-e-goza" Marta, mas acredito que só o tempo que gastaria durante a prefeitura com a escova, o laquê, provas de figurino e aplicação de botox já nao faria bem à cidade. 
No Rio de Janeiro temos Gabeira, que dispensa qualquer apresentação. Eu temo que, caso eleito, ele seja engolido pela sórdida máquina política por ser um cara tão honesto, tão do bem, quase pueril no meio da corja política média carioca. Mas não importa. É importante para o país que eleja um homem como Gabeira. Por suas virtudes, essenciais num político, e sempre tão ausente neles. Também para que a sociedade vence certas preconceitos e seja mais cuca-fresca. Gabeira é o anti-crivella, o anti-Macedo, o anti-Joao Alves, o anti tudo o que há de ruim nos governantes deste pais. Num estado que historicamente foi o pior eleitor do pais, afundado por Brizola, Moreira Franco e, pior, Garotinho e Garotinha (dá pra levar a serio uma gente que elege esse casal?) Gabeira vai ser um bálsamo. Viva.
Finalmente temos Obama. Que vêm de encontro às ideias que expressei com Gabeira. Depois de 8 anos de Bush, indiretamente responsável pela lama que assola o mundo hoje, Obama surge como uma alternativa ideológica importante, essencial eu diria. É claro que estamos em épocas pragadas pelas incertezas, mas dar uma chance a Obama é o dever de cidadania de uma nação que já faz tanto bem ao mundo, mas ultimamente tem feito mal. Muito mal. 
*
Fazendo uma ponte com a política mas voltando às artes, comento brevemente sobre o espetáculo A Cabra, ou Quem E Sylvia, em cartaz no teatro Vivo (que aliás, não fica tão longe assim quanto parece- a distância é mais psicológica do que física). O texto de Albee é hilario e pertinente. Jô Soares faz o melhor trabalho de sua carreira como diretor teatral. O cenário de Isay Weinfeld deslumbrante, e mais importante, adequado. Mas o teatro é a casa do ator e neste espetáculo vemos quatro atores brilhantes em seus melhores momentos. José Wilker alia sua habitual inteligência cênica a uma verdade impressionante, sustentada durante toda a duração do espetáculo, no qual não sai de cena jamais. Denise Del Vecchio, mal aproveitada na TV, é de uma precisão milimétrica em sua composição. Fancarlos Reis e Gustavo Machado estão hilarios. Mas o espetáculo usa o humor de uma forma quase subversiva, para ser no fundo, uma peça política importante contra a intolerância. Vale uma ida à Berrini. 

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Alô Rápido

*Descobri que entre meus 4 leitores, um deles é o querido Beto Brant. Fiz a pouco um workshop rápido com ele e no último dia ele me contou que lera o blog inteiro! Perdão, Beto, se te exponho como leitor mas você me expôs como blogueiro para a aula toda! As nossas conversas foram ótimas e pude conhecer melhor o método de criação artística deste jovem mestre, cujos filmes tocam a alma.
*Fui ver CIDADANIA, espetáculo de Mark Ravenhill que eu cogitei montar na Cultura Inglesa a dois anos. Curiosamente, o diretor, Tuna Sezerdello, escalou para a montagem o mesmo protagonista que eu iria escalar: Fábio Lucindo. Como vocês deveriam saber, Lucindo é quase meu alter-ego, e provavelmente protagonizará meu próximo longa (se conseguirmos captar antes que ele cresca demais!). O trabalho dele já vale a peça. A Vejinha disse que é "surpreendente e desenvolto". Isso porque ela não viu meus curtas! Viva este pequeno imenso ator!
* Depois fui ver "Era Uma Vez". Fui querendo muito gostar. Acho "2 Filhos..." uma jóia, belo filme mesmo. Infelizmente a segunda tentativa de Breno Silveira na direção mostrou-se, a meu ver, extremamente equivocada. Um roteiro que não se decide entre o fabular e o realista (e acaba não sendo uma coisa nem outra) abusa dos clichês, resultando numa inverosimilhança alienatória. Thiago Martins, ator de visível força, se esforça para defender a personagem principal mas fracassa, o que fica mais evidente numa estranha narração tipo "making-of" do próprio ao final do filme. Uma pena mesmo, porque o tema (morroXasfalto+descoberta do amor) dá pano pra muita manga. Mas nem as belas imagens do Rio conseguem levar o espectador "médio" a se envolver com uma mal-ajambrada trama cujo final chega a ser risível. O diretor merece, porém, uma nova oportunidade de nos mostrar todo o seu talento num novo filme. Vale lembrar que Silveira, agora diretor, foi um dos grandes fotógrafos do cinema na retomada. E como tudo que a Conspira faz, este filme é dotado de um acabamento técnico notável.

domingo, 15 de junho de 2008

MELHORES DO CINEMA NACIONAL 2007

Chegou a hora de apresentar os resultados da enquete (prefiro esse nome à pomposidade de "premiação") dos melhore do cinema nacional em 2007. Desculpo-me pela demora em postar, mas uma verdadeira maratona de trabalho e um inesperado problema de saúde (já resolvido) acabaram adiando este post. Agora, no final de um repouso forçado, encontro a paz e o tempo necessários para voltar ao blog.

Para aqueles que não conhecem a enquete, no seu segundo ano consecutivo visa lembrar e reconhecer alguns dos nomes do nosso cinema que se destacaram nos filmes com estréia comercial em 2007. Para isso um comitê de 5 pessoas analisou os mais de 60 lançamentos e apontou 5 indicados por categoria. Estas indicações foram enviadas por mim a mais de 200 pessoas de alguma forma ligadas ao nosso cinema (cineastas, atores e artistas em geral, técnicos, críticos, jornalistas e cinéfilos). Novamente fui surpeendido pelo alto numero de pessoas que não puderam votar porque não haviam assistido a pelo menos 4 dos indicados (regra desta "academia"). Mas outros tantos o fizeram e assim chegamos a estes resultados.

No final das contas não deixa de ser uma questão de gosto (ou falta de) e de opiniões, mas acho válida a iniciativa e acho que, para nós que trabalhamos com cinema, é sempre bom relembrar estes filmes e pessoas que os fizeram. Elas merecem, numa arte onde sangue, suor e lágrimas (e rodar a bolsa!) fazem parte do dia a dia de seus operários e artesãos.

MELHOR FILME: Tropa de Elite Seguido por O Cheiro do Ralo, A Casa de Alice, Cão Sem Dono e Proibido Proibir

O fênomeno de "Tropa" alcança até este blog. Embora tenha sido uma disputa acirrada entre todos os filmes, quem levou foi Tropa. Talvez não só pela qualidade do filme mas por tudo o que representou no ano de 2007... a polêmica, as discussões, a questão da pirataria, o Urso em Berlim, e, claro, o público! Tropa foi O blockbuster nacional em 2007 e, apesar de críticas, entrou para o panteão de filmes de "sucesso" e "qualidade", já que, gostem ou não do filme, ele é impecavelmente bem-feito (prova disso é os outros prêmios que levará aqui). Mas vale lembrar que 2007 foi um ano em que a qualidade média dos filmes foi, a meu ver, superior a 2006. Prova disso é ver que todos os indicados aqui são filmes de alto nível e bastante diferentes, o que não deixa de ser um bom sinal.

MELHOR DOCUMENTÁRIO: Santiago Seguido por Jogo de Cena, Cartola, Pro Dia Nascer Feliz e Person

Novamente uma disputa acirrada, mas desta vez apenas entre Santiago e Jogo de Cena. Ambos arrebatam não só por sua inteligência mas também pela audácia de seus temas e da linguagem usada na abordagem destes. Curiosamente, ambos são produzidos pela carioca Videofilmes, que levou o prêmio de melhor filme ano passado por O Céu de Suely. Aqui também vale lembrar que o conjunto dos filmes representou um alto nível em termos de qualidade, temáticas e maneiras de abordar os temas. E 2007 certamente foi o ano dos documentários no Brasil. Eles tiveram muito público e foi enorme o numero de documentários lançados no circuito ano passado, quase igualando-se ao numero de filmes de ficção.

DIREÇÃO: João Moreira Salles (Santiago) Seguido por Eduardo Coutinho, Beto Brant e Renato Ciasca, José Padilha e Sandra Kogut

Provando o vigor dos docs em 2007, Coutinho e Salles disputaram acirradamente o prêmio de direção com Santiago levando a melhor. Foi decisão do comitê que aqui (como nas demais categorias) os documentários entrassem na disputa com a ficção, mas normalmente as ficções são as mais lembradas. Este ano a surpresa, ou nem tanto se pensarmos que tanto Salles como Coutinho tenham apresentado talvez seus melhores trabalhos. Beto Brant, provando ser dos mais prolíficos e inventivos diretores do cinema nacional, foi bem lembrado (este ano ao lado de Ciasca), sendo o único destes também indicado ano passado (por Crime Delicado).

ATOR: Wagner Moura (Tropa de Elite) Seguido por Selton Mello, Caio Blat, Julio Andrade e Maxwell Nascimento

Apesar da brilhante interpretação em O Cheiro do Ralo, 2007 foi não apenas o ano de "Tropa" mas também do fenômeno Wagner Moura. Um papel de alta intensidade no blockbuster do ano aliado a um vilão de altíssima popularidade na novela das 8 consagrou o ator definitivamente (consagração que este ano estende-se ao teatro, com uma enfurecida e genial interpretação em Hamlet). Selton Mello venceu ano passado na categoria coadjuvante por Árido Movie e já desponta como indicado em 2008 por Meu Nome Não é Johnny mas Moura levou a melhor nesta enquete. Destaque também para Caio Blat, por Proibido Proibir, que também teve um ano marcante com belos trabalhos em Baixio das Bestas e Bastismo de Sangue. As "novas caras" foram muito bem representadas por uma composição preciosa de Júlio Andrade em Cão Sem Dono e o novato Maxwell Nasciemento em Querô. Não entraram na disputa mas merecem ser lembradas as performances de Alexandre Rodrigues em Proibido Proibir, Bernardo Marinho em O Passageiro e Rafael Raposo em Noel, Poeta da Vila.

ATRIZ: Carla Ribas (A Casa de Alice) Seguida por Fernanda Torres, Priscila Rozembaum, Tainá Muller e Maria Flor

Num ano marcado por fortes interpretações masculinas os desempenhos femininos, em geral, não chamaram a atenção. Destaque notável para o inspiradíssima atuação de Carla Ribas em A Casa de Alice. E neste prêmio consagra-se também Fátima Toledo, que preparou Carla e também a vencedora do ano passado, Hermila Guedes, e Wagner Moura em Tropa de Elite. Com um trabalho polêmico, festejado por uns e rejeitado por outros, é inegável que o trabalho de Toledo resulta. E já desponta para o ano que vêm outro nome feminino preparado por ela, o de Sandra Corveloni em Linha de Passe. Destaque também para Priscila Rozembaum numa verdadeira tour de force em Carreiras, trabalho que lhe rendeu um kikito em Gramado.

ROTEIRO ORIGINAL: Jorge Durán e Dani Patarra (É Proibido Proibir) seguidos por Chico Teixeira, Marcelo Gomes, Julio Pessoa e Sabina Anzuategui (A Casa de Alice), Jorge Furtado (Saneamento Básico), Phillipe Barcinski, Fabiana Wernek Barcisnki e Eugenio Puppo (Não Por Acaso) e Roberto Moreira e Tata Amaral (Antônia)

Não causa muita surpresa que Durán leve o prêmio já que ele é um dos grandes roteiristas do nosso cinema e brindou o público em 2007 com um filme poderoso. É notável também o roteiro de A Casa de Alice, escrito a 8 mãos a partir de uma idéia de seu diretor, o estreante em longas Chico Teixeira. Embora nos 5 casos o diretor tenha sido um dos roteiristas, em todos os diretores escreveram com colaboradores, com exceção de Jorge Furtado, que é também roteirista por profissão. Parece um saudável sinal para o cinema nacional que sempre teve nos roteiros o seu ponto fraco, e agora parece que os diretores estão se convencendo de que não precisam necessariamente também serem bons roteiristas e nem trabalharem sozinhos.

ROTEIRO ADAPTADO: Bráulio Mantovani, José Padilha e Rodrigo Pimentel (Tropa de Elite) seguidos por Heitor Dhalia e Marçal Aquino (O Cheiro do Ralo) Beto Brant, Renato Ciasca e Marçal Aquino (Cão Sem Dono), Sandra Kogut e Ana Luiza Martins Costa (Mutum) e Elena Soarez (Cidade dos Homens)

Houve um pequeno (grande) erro nesta categoria que talvez devesse até invalidá-la. O que me chocou foi que meu erro (e dos restos dos membros da comissão de indicação) passou desapercebido pelo grande numero de votantes, muitos dos quais roteiristas e diretores e até pessoas que trabalharam em Tropa de Elite: Não trata-se, exatamente, de um roteiro adaptado. Quem me confirmou a suspeito foi o próprio Bráulio Mantovani. Acontece que o roteiro do filme é em grande parte anterior ao livro Elite da Tropa e o fato do ex-capitão Pimentel levar crédito em ambos, e ser um antigo colaborador de Padilha, só aumentou a confusão. Ainda assim, com erro o roteiro levou o prêmio, e com ele Mantovani leva também pelo segundo ano consecutivo. A disputa com O Cheiro do Ralo foi acirrada, sendo "Cheiro" um roteiro de grande originalidade baseado no livro homonimo de Lourenço Mutarelli que também difere muito da literatura brasileira contemporânea. Mais uma vez destaque também para Marçal Aquino, duplamente indicado nesta categoria.

FOTOGRAFIA: Walter Carvalho (Baixio das Bestas) seguido por Mauro Pinheiro (Mutum), Toca Seabra (Cão Sem Dono), Lula Carvalho (Tropa de Elite) e Pedro Farkas (Não Por Acaso)

Ele reina suprema: vencedor em 2006, Walter Carvalho leva por uma deslumbrante direção de fotografia no filme de Cláudio Assis. E certamente teria levado na maioria dos anos desde a retomada, se esta enquete existisse antes. Este ano entra na disputa também seu filho e maior discipulo, Lula Carvalho, por uma fotografia visceral em "Tropa".

EDIÇÃO: Daniel Rezende (Tropa de Elite) seguido por Eduardo Escorel e Lívia Serpa (Santiago), Pedro Becker e Jair Peres (O Cheiro do Ralo), Daniel Rezende (Cidade dos Homens) e Manga Campion (Cão Sem Dono)

Com dupla indicação, Rezende leva por "Tropa". De fato o filme tinha problemas narrativos em seu primeiro corte, muitos dos quais foram bem sanados pela edição caprichada de Rezende e pela reescrita do roteiro. Junto com Mantovani, temos aqui o segundo do time de Cidade de Deus levando o prêmio por "Tropa". Mas a disputa não foi fácil já que Serpa e Escorel fazem um trabalho primoroso em Santiago, um filme completado onze anos depois de filmado a partir de um roteiro e uma edição que impressiona.

DIREÇÃO DE ARTE: Marcos Pedroso (A Casa de Alice) seguido por Renata Pinheiro (Baixio das Bestas), Vera Hamburguer (Ó Paí Ó), Rafael Ronconi (Cidade dos Homens) e Marcos Pedroso (Mutum)

Também concorrendo com ele mesmo, Pedroso levou a melhor por A Casa de Alice, um filme onde a direção de arte não chama a atenção para si e talvez por isso seja tão boa. A veracidade que Pedroso dá aos ambiente de uma família de classe média-baixa em São Paulo impressiona e funciona extremamente bem com os demais elementos do filme. Em outra linha o mesmo acontece em Baixio das Bestas, que tem sequencias de uma beleza estética realmente memoráveis, bela conjunção do trabalho de Renata Pinheiro e Walter Carvalho.

ATOR COADJUVANTE: Caio Junqueira (Tropa de Elite) seguido por Paulo José, Lourenço Mutarelli, Roberto Oliveira e Fúlvio Stefanini

Junqueira, ator de larga trajetória apesar da pouca idade, leva a melhor em seu primeiro papel de destaque numa carreira pautada por muitos longas. Quase foram indicados Milhem Cortaz e André Ramiro, também de "Tropa", nesta categoria, o que confere ao filme, junto com a vitória de Wagner Moura, um forte trabalho de atores em conjunto. Paulo José sempre emociona e foi bem lebrado por seu trabalho em Saneamento Básico, bem como o novato ator-autor Lourenço Mutarelli por O Cheiro do Ralo. A aventura de Mutarelli, aliás, rendeu frutos e é ele quem protagoniza o filme Natimorto, também baseado num livro seu, que estréia em 2009. Cão Sem Dono também teve vários quase-indicados mas o mais lembrado foi Roberto Oliveira, veterano dos palcos gaúchos, que faz uma breve porém marcante aparição no filme de Brant e Ciasca.

ATRIZ COADJUVANTE: Berta Zemmel (A Casa de Alice) e Andréia Beltrão (Jogo de Cena) seguidas por Dira Paes (Baixio das Bestas), Camila Pitanga (Saneamento Básico) e Glória Pires (Primo Basílio)

Você deve estar se perguntando, uma atriz num documentário, e ganha prêmio? Se você se perguntou isso é porque não viu Jogo de Cena e nem a sutileza comovente de Andréia Beltrão, aliás uma atriz excepcional e mal aproveitada no nosso cinema. E levou o prêmio junto com Berta Zemmel, que também prima pela sutileza e o bom gosto como a avó que tudo vê em A Casa de Alice. A única categoria empate, e prêmios merecidíssimos.

FIGURINO: Bia Salgado (Noel, Poeta da Vila) seguida por Claudia Kopke (Tropa de Elite), André Simonetti (A Casa de Alice), Bettine Silveira (Ó Paí Ó) e Marjorie Gueller (Batismo de Sangue)

Mais uma categoria nova este ano, com destque para Bia Salgado e seus belos figurinos de época e André Simonetti que conseguiu também grande sutileza em conjunto com a direção de arte de A Casa de Alice.

SOM: Tropa de Elite (Leandro Lima-som direto, Alessandro Laroca-edição de som, Armando Torres Jr.-mixagem) seguidos por Baixio das Bestas, Mutum, Antônia e Cidade dos Homens

É inegável a qualidade e complixidade do trabalho sonoro ultra-realista de "Tropa", e não deixa de ser uma sonoridade que chama mais a atenção (e não que isso seja uma coisa ruim).

TRILHA SONORA: Pedro Bromfman (Tropa de Elite) seguido por Apollo Nove (O Cheiro do Ralo), David Moraes e Caetano Veloso (Ó Paí Ó), Beto Villares (Antônia) e Antonio Pinto (Cidade dos Homens)

Ufa... chegamos à ultima categoria, mais um prêmio para "Tropa", uma trilha contemporânea e que serve muito bem ao filme, numa categoria (nova) com excelentes trabalhos, todos.

E chegamos ao fim da enquete.... Comentários são bem vindos, espero que estas informações sejam de valia e sirvam de estímulo...

PS- Para ver os resultados de 2006, acessem:

http://cantodocharly.blogspot.com/2007/03/melhores-do-cinema-nacional-2006.html

PS2- Aos que estranharem a ausência de "O Passado", esclarecemos que não é por falta de mérito e sim porque a comissão julgou tratar-se de um filme estrangeiro, mesmo que tenha diretor e alguns técnicos brasileiros.