terça-feira, 27 de março de 2007

MELHORES DO CINEMA NACIONAL 2006

Caros leitores, bem vindos a este recém criado blog que tem como objetivo refletir sobre e debater o cinema, as artes e os acontecimentos do nosso país. Escolhi divulgar aqui (aliás foi o estopim pra criar um blog) o resultado da enquete dos melhores do cinema nacional. Para os que não participaram, ou não sabem, trata-se de uma enquete que elege os melhores por categoria dentre os filmes lançados comercialmente no Brasil em 2006. Decidi fazer isto por puro amor aos nossos filmes, como estímulo de reflexão e também para que se divulgue, de certa maneira, nossa cinematografia. Impressiono-me sempre, à época dos Oscars, a comoção das pessoas, do meio cinematográfico e fora dele, em torno dos indicados, tentando ver os filmes, debatendo indicações e prêmios, e sempre chamou a minha atenção o poder de promoção deste prêmio e a completa incapacidade da nossa indústria de produzir qualquer coisa que se assemelha. Atenção: não tenho em absoluto esta pretensão. Mas acho que já vale o registro obtido com esta enquete. O procedimento foi assim: para se chegar aos indicados, pesou-se na balança a opinião dos internautas que formaram o "colégio" eleitoral (colégio este que se expandiu na votação final), a opinião dos principais críticos do país e a trajetória de filmes em festivais nacionais e internacionais. O colégio a que me refiro, e que venho procurando ampliar, por ora é formado por cineastas, atores e artistas em geral, críticos, jornalistas e cinéfilos. Mandei o resultado com os indicados para 150 pessoas e a primeira coisa que chamou-me a atenção foi a quantidade de pessoas que não puderam votar simplesmente porque não haviam visto pelo menos 3 ou 4 dos indicados em cada categoria (regra outra). E isso demonstrou, ao meu ver, o completo descaso e desapreço que existe pelo cinema nacional justamente aonde menos deveria haver: entre a "classe" e os formadores de opinião. Ainda assim, mais de 60 pessoas votaram (e estes serão sempre anônimos). Vamos então aos resultados. Comentarei os resultados por categorias e colocarei em ordem de mais votados e menos votados por categoria.


MELHOR FILME: O Céu de Suely
Seguido por O Ano que Meus Pais Saíram de Férias, O Maior Amor do Mundo, Estamira e Árido Movie.

Houve controvérsia para se chegar a 5 filmes nesta categoria. A disputa foi acirrada e no final 2 dos 7 filmes mais lembrados ficaram de fora. A primeira observação a se fazer é que, embora 2006 não tenha produzido nenhuma obra prima que entrará na história do cinema universal, os 5 filmes indicados são todos muito bons e refletem um caráter saudavelmente heterogêneo do cinema brasileiro. São filmes diferentes e que primam por características distintas.
O Céu de Suely ganhou com muita folga, e pode-se dizer que se não foi um sucesso na bilheteria parece configurar-se como unanimidade entre a classe, na medida em que estes eleitores são representativos da "classe". Venceu também em inúmeros festivais nacionais e internacionais, APCA e outros. O Ano... saiu-se bem no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo, tendo depois competido no Festival de Berlin. É um filme que agrada. Marcos Prado mereceu a indicação por seu primeiro filme, Estamira, uma pequena jóia que também vêm fazendo barulho desde 2004, quando estreiou (e venceu) o Festival do Rio. É triste que nenhum destes filmes tenha feito grande sucesso junto ao público e suas bilheterias, somadas, não chegam a um milhão de espectadores. Prova de que, em 2006, qualidade e quantidade de ingressos vendidos não andaram juntos, o que alías é uma tendência do cinema nacional (e pensar que não foi assim no passado! Basta ver as bilheterias de filmes como O Bandido da Luz Vermelha, Tudo Bem, Bye Bye Brasil e mesmo recentemente Cidade de Deus e Central do Brasil).

DIREÇÃO: Karim Ainouz (O Céu de Suely)
Seguido por Cao Hamburguer, Beto Brant, Cacá Diegues e Marcos Prado.

Nesta categoria a disputa foi bem mais acirrada, com pouca vantagem de Ainouz sobre Hamburguer e pouca deste sobre Beto Brant. Cacá Diegues e seu filme não fizeram feio na bilheteria, mas parece-me que neste grupo o filme não despertou tanta atenção, sendo pouco visto e pouco lembrado. Talvez por causa de seus filmes anteriores, talvez pela campanha de marketing irregular do filme. Ainda assim o filme tem feito uma bela carreira nos festivais internacionais e conta com fãs ardorosos e de prestígio. Beto Brant fez um filme que divide opiniões mas que também tem um grupo de entusiastas forte, fato que o pôs no páreo em todas as categorias a que foi indicado.

ATOR: Marco Ricca (Crime Delicado)
Seguido por Michel Joelsas, José Wilker, Mateus Natchtergaele e Marco Nanini.

Ricca ganhou com alguma vantagem por seu impecável trabalho no filme de Beto Brant e não surpreende que Michel Joelsas tenha vindo atrás. É certo que crianças e animais, quando providos de algum talento, exercem um imenso fascínio sobre platéias e neste caso não podia ser diferente, sobretudo em se tratando de um garoto dotado de um talento incomum. José Wilker realiza um trabalho maduro e comovente em O Maior Amor do Mundo, repetindo parceria de sucesso com Cacá Diegues. Natchtergaele, presença constante no cinema da retomada, brilha num filme menor e o mesmo acontece com Nanini.

ATRIZ: Hermila Guedes (O Céu de Suely)
Seguida por Glória Pires, Patrícia Pillar, Dira Paes e Fernanda Carvalho.

O furacão Hermila levantou poeira nesta categoria e obteve a maior votação em todas as categorias. Isto certamente se deve a uma conjunção de fatores: seu talento, amplamente amparado por um bom roteiro, uma direção primorosa e o auxílio da onipresente Fátima Toledo. Fator maior, porém, e que parece ser a regra eficaz dos ultimos anos, é colocar um rosto praticamente desconhecido para protagonizar um longa. Prova disso são as últimas premiadas no Festival do Rio: Hermila, Alice Braga, Sílvia Lourenço e Cleo Pires, todas desconhecidas quando ganharam o prêmio. Nada disso porém, tira o mérito de Hermila. Os votos para Glória Pires e Patrícia Pillar tem grande mérito também, pois concorriam em filmes que não tiveram quase menção nesta premiação. E Dira Paes conseguiu um feito, já que Incuráveis foi visto por pouquíssimas pessoas. A jovem Fernanda Carvalho obteve indicação mas nenhum voto nesta categoria.

FOTOGRAFIA: Walter Carvalho (O Céu de Suely)
Seguido por Adriano Goldman, Murilo Salles, Walter novamente e Marcos Prado.

Walter Carvalho conquistou todos os prêmios possíveis em sua carreira (e merecia indicação ao Oscar por alguns filmes) e continua a competir consigo próprio. Além de ganhar com Suely, seu belo e pouco visto trabalho em Veneno da Madrugada foi bem lembrado e um eleitor, num momento de distração, votou nele por Crime Delicado, que não estava indicado nesta categoria. Palmas para Carvalho, um artista acima de qualquer suspeita. Saudável a entrada de Adriano Goldman em cena, que levou também o prêmio ABC por seu trabalho em O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias. O multi-talentoso Murilo Salles fez um belo retorno à direção de fotografia com Árido Movie (filme que ele também produziu), levando, entre outros, o prêmio APCA e Marcos Prado, fotógrafo still consagrado, conseguiu extrair uma sublime beleza do video no seu Estamira.

ROTEIRO: Anna Muylaert, Braulio Mantovani, Claudio Galperin e Cao Hamburguer (O Ano que Meus Pais Saíram de Férias)
Seguido por Karim Ainouz, Felipe Bragança e Maurício Zacarias (O Céu de Suely), Marçal Aquino, Beto Brant, Luiz F. Carvalho F°, Mauricio Paroni e Marco Ricca (Crime Delicado), Cacá Diegues (O Maior Amor do Mundo) e Edgard Navarro (Eu Me Lembro).

Hamburguer e sua talentosa equipe de roteiristas agradaram em cheio (venceram também o APCA). É curioso notar que 3 dos 5 filmes são assinados por vários roteiristas, prova de que o cinema nacional está levando a questão do roteiro mais a sério. Ainda assim, dois dos filmes indicados foram escritos apenas por seus diretores. E ambos são obras pessoais e belas.

EDIÇÃO: Willem Dias (Crime Delicado) e Tina Baz e Isabela Monteiro de Castro (O Céu de Suely)
Seguidos por: Vânia Debbs (Árido Movie), Jefferson Cisneros e Edgard Navarro (Eu me Lembro) e Quito Ribeiro (O Maior Amor do Mundo)

É interessante notar a força da edição de Dias, trata-se de um trabalho eficaz porém discreto, mas que foi suficientemente notado para levat o prêmio junto a Suely na única categoria em que houve empate. Destaque também para Vânia Debbs, que por pouco não levou o prêmio também por seu trabalho em Árido Movie. Por este trabalho, ganhou o prêmio APCA, entre outros.

ATOR COADJUVANTE: Selton Mello (Árido Movie)
Seguido por Germano Haiut, Antonio Calloni, Nelson Dantas e Otávio Augusto.

Sua hilária personagem no filme de Lírio Ferreira, que lhe rendeu também o mesmo prêmio no Festival de Recife, dá mais uma laurea a este ator que firmou-se como o mais versátil ator de cinema de sua geração neste país (basta ler as críticas mais que elogiosas que têm recebido pelo recém estreado Cheiro do Ralo). E merecidamente, pois Mello sabe alternar trabalhos de grande e pequena escala mas quase sempre filmes de qualidade, superando-se a cada nova interpretação. Só não surpreende que um jovem ator consiga tal feito quando se sabe que Mello começou como calouro no Bozo, aos 5 anos de idade. Haiut, um ator totalmente desconhecido (cheguei a ouvir dizer que não é propriamente ator) fez um belo trabalho em O Ano..., pelo qual ganhou o Prêmio FIESP do cinema paulista. O mesmo vale para Calloni, premiado em Gramado por Anjos do Sol. O falecido Nelson Dantas deixou com Zuzu Angel sua última imagem em nosso cinema. E em pouco mais de um minuto na tela (se é que chega a isso) ele traz consigo uma interpretação arrebatadora. Sem uma fala sequer. Grande e saudoso ator. Otávio Augusto rouba a cena sempre, e novamente com um bem construído personagem em Boleiros 2.

ATRIZ COADJUVANTE: Daniela Piepszyk (O Ano Que Meus Pais Saíram de Férias)
Seguida por Valderez Freitas Teixeira, Bianca Comparato, Lea Garcia e Arly Arnaud.

O fascínio pela interpretação infantil aqui deu o prêmio a Piepszyk (êta nome difícil!) por sua carismática interpretação em O Ano... No caso de Valderez Freitas Teixeira e Arly Arnaud, ambas indicadas por Eu Me Lembro, temo que possa ter havido uma confusão: ambas as talentosas atrizes baianas são desconhecidas do grande público e acho que os eleitores não souberam qual era qual. Posso estar enganado. Teixeira faz a mãe preta, e Arnaud a mãe de fato do protagonista. Esta foi premiada em Brasília por seu trabalho. Ambas arrasam. A jovem Bianca Comparato, atriz que vêm ganhando destaque no cinema, na TV e no teatro fez um belo e bem lembrado trabalho em Anjos do Sol e Lea Garcia interpreta com muita dignidade no filme de Diegues.

DIREÇÃO DE ARTE: Cássio Amarante ( O Ano que Meus Pais Saíram de Férias)
Seguido por Marcos Flaksman (Veneno da Madrugada), Moacir Gramacho e Shell Jr. Eu me Lembro), Tule Peak (O Maior Amor do Mundo) e Marcos Pedroso (O Céu de Suely).

O mérito de Amarante não é pouco, pois se O Ano... não teme os planos abertos como Olga, por exemplo, isso se deve em grande parte à habilidade ímpar de Amarante em reconstutuir com perfeição não apenas uma época, mas também uma atmosfera, um entorno geográfico, sócio-econômico, etc... O mesmo fizeram os profissionais de Eu Me Lembro, talvez sem tanto requinte mas contando com um orçamento bem menor. Um feito e tanto que lhes deu um merecido segundo lugar. O belo trabalho de Flaksman no filme de Ruy Guerra sofreu pelo fato do filme ter sido pouco visto, mas levou o prêmio no festival de Brasília e foi indicado também ao prêmio ABC (perdendo para Amarante). Peak extrai beleza e harmonia até do lixão, no filme de Diegues e Pedroso dá autenticidade a Suely, num trabalho discreto porém preciso.

SOM: Árido Movie
Seguido por O Ano Que Meus Pais Saíram de Férias, O Céu de Suely, O Maior Amor do Mundo e Eu Me Lembro.

Esta categoria foi introduzida como som "em geral", o que pode ser um equívoco mas muita gente não sabe como avaliar o som de um filme, nem como um todo, imagine se fossemos dividir em melhor captação de som, melhor edição de som, melhor mixagem, etc... Talvez uma categoria apenas para trilha ou canção original seja uma idéia inteligente, a se pensar para o ano que vêm. Em todo caso, Árido Movie se destacou com sua sonoridade complexa e bem trabalhada, vinda de Pernambuco e embalada por um som neo-manguebeat. Um feito e tanto, sobretudo para um filme de baixo orçamento. Mais uma prova de que qualidade técnica e artística (e este filme foi também indicado por sua foto e montagem) não precisam necessariamente de uma verba estratosférica. Destaque também para a trilha de Kassin em Suely, delicada e de bom gosto, e para a belíssima canção original de Chico Buarque que encerra O Maior Amor do Mundo.

CONCLUSÕES
Um prêmio similar ao que aqui se encontra é o Grande Prêmio Cinema Brasileiro. Mas ele parece não ter vingado muito. Acabo de ver a lista de indicados, e fica-se sem saber que período abrange e também o porque de tantas indicações (creio que 8 por categoria), um exagero num país onde se produz uma média de 50 filmes por ano. Repito que não tenho a pretensão de fazer com que esta enquete seja isso, mais que uma enquete, mas me interessa saber a opinião dos meus contemporâneos e por isso as divulgo aqui. 2007 parece ser um bom ano para o cinema nacional, com uma boa safra de filmes portanto os internautas já podem ir mandando indicações que serão devidamente anotadas para a próxima edição, que possivelmente contará com uma categoria apenas para documentários, outra para figurinos e uma para trilha. Outras sugestões são bem-vindas, bem como comentários dos internautas.
A premiação por filmes fica assim:
O Céu de Suely - 5 Prêmios (Filme, Direção, Atriz, Fotografia e Edição)
O Ano Que Meus Pais... - 3 Prêmios (Roteiro, Direção de Arte, Atriz Coadjuvante)
Crime Delicado - 2 Prêmios (Ator, Edição)
Árido Movie - 2 Prêmios (Ator Coadjuvante, Som).