Seguem a todo vapor as filmagens de 174, longa-metragem com direção de Bruno Barreto, onde sou responsável pelo making of (junto com a parceira Maria Resende). O longa é inspirado na história (real) de Sandro do Nascimento, que ficou famoso ao "sequestrar" o ônibus da linha 174 no RJ. Está sendo de imensa valia a experiência. É sempre um privilégio poder acompanhar de perto a realização de um filme em que se acredita, e neste caso acho que há potencial para um grande filme. O making of permite também o exercício do fazer cinema, e estou atento para filmar e entregar um filmete que seja mais que uma peça de venda, e sim o desvendar parcial da complexa maquinária do fazer cinema. E Bruno tem sido muito generoso, dividindo sem barreiras a sua própria experiência. Acredito neste filme porque a história de Sandro é emblemática e sintetiza inúmeras questões profundas deste louco país. Qualquer um que tenha visto o estupendo documentário de José Padilha sabe do que estou falando (quem não viu, corra, pois é uma das grandes obras de cinema da retomada). O roteiro de Bráulio Mantovani é bom pra c..., Bruno parece ter encontrado uma linguagem que casa bem com esta história e o ator que faz o papel-titulo arrebenta (o elenco como um todo também).
O meu interesse maior é na possibilidade de aceder a lugares e mundos que, de outra forma, me seriam quase que inacessíveis. A magia de se fazer cinema. Explorar os becos do Rio, nas mais diversas horas, é estar em contato com realidades que só confirmam para mim o quanto estamos alheios. É importante, fundamental eu diria, estar em sintonia com as mais diversas experiências e realidades, sobretudo num país com abismos como o nosso. Acabo de ver Cidade dos Homens. Confesso que me saturou um pouco esta realidade em particular (ou uma amostra de): o morro, o tráfico, etc... Em nada me lembrou o impacto, e o abrir dos olhos que Cidade de Deus me causou, há cinco anos... Bem, cinco anos se passaram e estes temas foram explorados ad nauseum. E meu interesse por eles também. Nos jornais, na literatura, na vida mesmo. E agora estou como que esgotado (não sei se o fato de estar filmando a vida de Sandro diariamente contribua, certamente). O que acontece é que sinto-me responsável, de certa forma, e impelido a fazer algo. Há cinco anos. Ao mesmo tempo sou um cidadão de bem, pago meus impostos, leva uma vida digna e correta, sou responsável pelos males sem fim? Que função posso ter? Ser artista não basta? Às vezes penso que sim, às vezes penso que não, às vezes me canso. Não parece haver solução. Ainda assim estou preparando um roteiro com a minha visão da coisa. Promete.
À margem de ter gostado do filme ou não (acho que esta estética deixou de ser novidade) é notável o impacto que Cidade de Deus e seus realizadores tiveram sobre todo um grupo de pessoas. Trabalhando no 174 isso fica claro pra mim. Criou-se um grupo, sobretudo de atores, que antes não tinham vez. Agora, eles tem esperanças. Tem um horizonte. Mudaram de vida. E à margem de sua representação nas telas ou de qualquer outro mérito, isto já é positivo e já é muito. Fernando Meirelles e sua turma fizeram alguma coisa. Fizeram uma diferença. E servem de exemplo. Como diria Raúl Gil, tiro meu chapéu.
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