quarta-feira, 26 de setembro de 2012

MARINEROS DE TIERRA

Lindo texto escrito por el Tatu (Esteban Feune de Colombi), protagonista de POR EL CAMINO, acerca de nuestro rodaje (Publicado en la revista Galera)


MARINEROS DE TIERRA
Elegimos el vestuario en hoteles o en baúles de autos prestados y nos rendimos ante la irrisoria bipolaridad del clima. Vigilamos que no creciera el pelo, que no se tostara la piel, que no fallaran los micrófonos, que los cholulos no miraran a cámara, que no se infartaran los despertadores, que nos creyeran. Nos hicimos amigos de los playeros, de los hippies, de los camperos, de los perros vagabundos, de los soñadores, de las mozas, de los chetos, de los megalómanos, de los frustrados, de los angurrientos, de los locos. También, nos hicimos amigos entre nosotros (amigos, confesores, críticos y detractores). Miramos el mar de costado, de frente, desde abajo y desde arriba; incluso, adivinamos el derrotero del mar cuando ya era océano y presagiamos –nosotros, marineros de tierra– su furor o su mansedumbre. Nos inventamos: fue la única forma que encontramos de atarnos el uno al otro aunque sea de manera precaria: yo te ato, él me ata, nosotros nos atamos. Si hubo mapas, los usamos para saber adónde no iríamos; aun así, nos perdimos. Manejamos por las rutas de un país cortito, pero de aliento largo; manejamos de Este a Oeste y de Norte a Sur; manejamos, incansables y curiosos, por caminos sin nombre y por hombres sin camino; manejamos por Santiago de Cuba, por Biarritz, por Río de Janeiro y por Montana, pero estábamos en Uruguay; manejamos sin épica, ¿eh?, hablando varios idiomas a la vez, como si uno solo, el nuestro, no bastara para decir o desdecir. Escuchamos a Jaime Roos, a Rufus Wainwright, a Marisa Monte, a Sean Lennon, a Kate Bush, a Jeff Buckley y a Caetano Veloso. Comimos brótola, chivitos, especiales de jamón y queso, churros y tortas de fiambre. Tomamos Pilsen, clericós camuflados y mucha Salus. Brindamos con extraños. Festejamos Navidad, Año Nuevo y Reyes. En un santiamén, aprendimos el mágico arte de armar y desarmar valijas. Creamos imágenes donde quizá sólo había cosas quietas, cosas muertas: chatarras, un puente a medio terminar, una catedral abandonada, un castillo sin fantasmas, un bosque fosilizado. De noche, vimos a John Wayne en la copa de un árbol, a Naomi Campbell en un vestido Chanel y a un chancho en un basurero. Mientras, hicimos una película que aún no lleva título. Aceptamos sugerencias.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

I will look for you in the forests of Poland

You hide.... You just seem to hide...

Like a blind man against the parade

I stumble and cry.

Our love suffocated by Patagonic volcanos

Monumental ashes in the air.

I can't fly and you just just drip between my fingers.

But this love ain't blind

and I know you've got your share of it.

I will look for you in the forests of Poland.

Future is just a matter of time...

São Paulo, 29 de Julho de 2011, 3:33 - para J.i

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Carta Póstuma ao amigo Fernando Zarif




Querido Zara,
Só mesmo a dor que a sua falta traz é capaz de extirpar de mim o meu mais enraizado pecado capital, a preguiça, e fazer com que eu tome vergonha na cara e volte a escrever. Pois a dor da perda é um sentimento avassalador, dos poucos que são comuns a todos os mortais. Mas cada um lida com a ausência à sua maneira. E nesta madrugada insone, assombrado por pensamentos teus (hoje foi tua missa), nada parece capaz de me salvar da angústia de saber que não vamos mais falar besteiras em algum restaurante, ver um programa de televisão ruim ou escutar alguma música nova sensacional que você, sempre tão antenado, quer mostrar. E então, mais uma vez, como tantas desde que você partiu, começo a passar na mente o filme dos tantos momentos fantásticos que passamos juntos.
Será que a tua memória era tão afiada quanto a tua inteligência? Acho improvável, pois você foi das pessoas mais inteligentes que conheci nesta breve vida. Mas normalmente QI alto = memória de elefante (pensamento que, aliás, me preocupa, pois a minha anda péssima). Sabe que desde que comecei a viajar com meu filme tenho dito às pessoas que estou com alzheimer? Acho que você ia achar graça nisso. É que, nestes últimos meses conheci tantas pessoas, em tantos lugares, foram tantas as estreias, os cinemas, que meu hard drive anda malfuncionando (acabei de roubar essa palavra do inglês). Ainda assim lembro-me com precisão do dia em que te conheci e fiquei encantado pelo afeto generoso com que você sempre presenteava os seus amigos mais queridos. E devo dizer que nossa amizade se deu instantaneamente. Uma amizade improvável, mas entre artistas esses pormenores (como a idade) não têm a mínima importância. Não sei se posso me auto-designar um artista, apesar do relativo êxito que veio de encontro a mim, pois comparado a você sinto-me um diletante, um mero operário.
Mas enfim, como eu ia dizendo, naquele dia, há uns dez anos atrás, tive uma experiência amarga. Eu havia há pouco retomado minha inquieta vocação para atuar protagonizando um curta-metragem de um amadorismo assustador. Naquele dia a diretora do tal curta (essa sim uma diletante) me telefonou para dizer que minha performance era péssima e que uma meia dúzia de cabeças pensantes do Rio supostamente concordavam com a opinião dela. Do alto dos meus parcos 22 anos, com toda a ingenuidade que sempre me foi característica, me deprimi. Telefonei para a Guilhermina que, sempre tão afetuosa, disse que eu fosse de imediato ao encontro dela e do Zé no La Tambouille. Lá chegando estavam, além deles dois, o Otávio (que eu apenas conhecia) e você. Fui obrigado a dividir toda a minha frustração com o grupo, um tanto envergonhado pois não te conhecia. Imediatamente você classificou a moça como "uma puuuuta mala histórica" e, com seu humor afiado (dom que você possuía na mesma medida do Otávio e do Zé, dois grandes atores), todos nós rimos da situação. E em meia hora minha raiva e frustração ficaram para trás e fiquei absolutamente satisfeito de sentir que ali formavam-se novas e importantes relações de amizade.
Pouco tempo depois nós já saíamos para almoçar, muitas vezes com o Otávio, o Zé, e a Vera Holtz, que estavam fazendo uma novela juntos. Era um grupo impagável, e eu, pouco mais que um garoto, me sentia privilegiado de poder conviver com quatro artistas do calibre de vocês. Mas eles faziam a novela lá no Rio e aqui em sampa nossa amizade se estreitava. Logo comecei a incursionar pela fascinante noite paulistana em sua companhia. E devo dizer que sair com você à noite era como ir ao grammy com o Mick Jagger (aliás, certamente deve ser mais divertido a noitada contigo que aquela papagaiada chata). Todos te conheciam e adoravam. Algumas noites chegávamos a ir em 5 boates diferentes. Eu fazia de chauffeur e você cuidava da entrada nos diferentes recintos. E não havia lugar proibido para Fernando Zarif. Entrávamos no box dos DJ's (a maioria amigos teus), camarotes e camarins, e assim fui sendo apresentado a uma fauna interessante e colorida do universo da noite, que sempre me fascinou (devo dizer que desde que você adoeceu não tenho mais achado graça em boate alguma).
Num determinado momento da noite nós nos desencontrávamos. Ou você desaparecia (dando, no dia seguinte, a justificativa de que havia surgido alguma aventura amorosa), ou eu simplesmente não conseguia seguir o teu pique, mesmo você sendo 20 anos mais velho que eu. E mais ainda me espantava quando você me ligava no dia seguinte, às 11 da manhã, eu sonolento, de ressaca, e você querendo sair para almoçar. Pensava: "que espécie de maluco é esse?"
Mas não só das deliciosas frivolidades da noite consistia nossa amizade. Desde o início você foi uma espécie de guia na minha incipiente e de início confusa carreira artística. Quando eu quis ser cantor e aceitei uma proposta da Globo para fazer a pré-seleção do FAMA, você não me censurou. Pelo contrário, elogiava a minha afinação e meu timbre agradável, embora certamente soubesse que não jazia ali a minha verdadeira vocação. Quando eu fui dispensado da atração global (e essa história, que é bem engraçada, fica para outro momento) você me fez acreditar que tudo ia dar certo. E deu.
E foi então que você mudou de vez o meu caminho - para melhor, evidentemente. Em tese esse crédito pertence também ao Otávio, mas tenho certeza que foi ideia sua. Acontece que a Monique (que eu havia conhecido um mês antes jantando no seu apartamento) ia montar o Rio Ota, e você imediatamente sugeriu a ela que me chamasse para um papel qualquer. Nunca me esqueço do dia em que você e Otávio me telefonaram para dizer que tinham "me arrumado um emprego".
"Uma peça de LePage, muito chique" você disse.
Aos 22 anos, Lepage não significava nada para mim. Mas eu já havia entendido que você sabia das coisas, e o frio na barriga me dizia que aquilo era coisa boa. Poucos dias depois a Michele me ligou, e à noite eu fui à casa dela para uma leitura. Lá chegando fiquei tímido. Eram 15 ou 16 pessoas, entre elas o Caco, então uma notável promessa como ator (promessa cumprida, diga-se de passagem). Minha timidez só fez aumentar quando Monique me apresentou ao grupo como Charly Guinle (confusão tão comum Monique, fique tranquila). E assim durante cinco horas nós todos lemos aquela peça e terminamos sem entender nada (quem viu a montagem entenderá que o Rio Ota lido não faz muito sentido) Mas havia uma excitação no ar, a começar pela própria Monique, talentosa e aventureira, que nunca havia dirigido teatro antes. Esse frisson nos uniu de tal maneira que hoje, dez anos depois, somos um grupo unido por um afeto profundo. Mas enfim, eu mal sabia que aquela noite iria mudar a minha vida. E nenhum de nós imaginava que aquela peça tornaria-se um verdadeiro marco na história do teatro brasileiro.
E foi assim, silencioso porém firme, que você esteve presente durante todos os solavancos e conquistas que eu fui tendo como jovem artista.
Como sempre, você queria participar de tudo antes. Quando dirigi meu segundo curta (o primeiro depois que voltei ao Brasil), você foi uma das poucas pessoas que foi à ilha de montagem, na casa do Granato. Você adorou o filme, que pouco tempo depois colheu uma penca de prêmios pelo país afora. Não lembro se você chegou a ver o curta que fiz depois. Mas lembro que me ajudou com a trilha, pois foi uma noite em sua casa, assistindo ao Oscar com o João Vicente, que você me mostrou as músicas do Bowie na voz de Seu Jorge. Ninguém aqui no Brasil tinha ouvido ainda, e eu imediatamente fiquei louco com "Life on Mars" (que eu não conhecia- claro que minha apresentação tardia ao Bowie tinha que vir de você).
Mais recentemente, quando editava meu primeiro longa, você quis vê-lo ainda na ilha (que era longe da tua casa), antes de todo mundo. Você foi a única pessoa que fumou dentro da sala de edição (sempre a única pessoa que fumava onde ninguém mais fumava). Quando o filme terminou, você disse apenas: "Tá tudo certo". E eu respirei aliviado, com a estranha certeza de que meu filme encontraria seu caminho pelo mundo (como de fato tem encontrado, e fico feliz que você tenha testemunhado este relativo êxito). Durante a sessão você pediu que parássemos apenas uma vez, no plano de um passarinho. Ao revê-lo, você perguntou ao Fernando Coster, montador, se o último passarinho que entrava em quadro pousava no fio. Olhamos o material bruto. Pousava. Você então ordenou que deixássemos o plano durar mais alguns quadros, cortando apenas quando a ave se encontrasse segura e firme no fio de luz. E assim ficou.
Você sempre tão atento aos detalhes, it's all about the details!
O início do meu périplo de festivais e exibições, certamente os meses mais eufóricos dos meus anos mais recentes, coincidiu com o agravamento da sua saúde. Nos nossos últimos encontros era evidente que você estava cada vez mais frágil. Mas eu não queria enxergar. Provavelmente foi comigo que você almoçou pela última vez no Ritz (ficamos horas esperando o Otávio, que vinha do Rio) e no Gero (foi aquela, aliás, a última vez que o Rogério te viu- ele disse que você era muito querido por todo o staff dos restaurantes dele, e que todos estavam sentidos, como aliás está o staff do Shintori, a quem eu informei do seu falecimento). Aliás, pouco tempo depois daquele almoço eu viajei, e quando voltei você já estava internado. Na primeira vez que fui te visitar no hospital, passei a pé em frente ao Spot e sentei-me com o Serginho para fumar um cigarro. Depois que ele me congratulou pelo filme e pelo prêmio, contei a ele que estava indo te ver, que você estava, aparentemente, muito mal.
Eu cheguei de algum lugar, acho que foi Montevideo, e durante dois dias te liguei sem parar e só dava caixa. Duas semanas antes você havia dito que ia a Paris, mas eu desconfiei que era mais uma das tuas saborosas brincadeiras e que na verdade você ia se internar uns dias. Por isso quando cheguei liguei para a Bárbara. Ela me disse que você havia sim ido a Paris, mas que lá chegando sentiu-se muito mal e na sua volta foi direto para a UTI. "Vá se despedir do seu amigo", ela me disse. Assustado, fui. Cheguei lá sozinho. Nunca havia entrado numa UTI. Sua mãe, que eu até então não conhecia (mas de quem você sempre falou com tanto carinho) me recebeu com um sorriso sincero e amável, mas que não escondia a evidente angústia que a corroía. Entrei na UTI e fiquei apavorado. Você estava quase inconsciente, todo entubado, com uma cor estranha. Te dei um beijo na testa e fiquei sentado ali, se não me engano com a Vânia. Durante meia hora eu olhava incrédulo para você, e, sem saber, ali começava a desaparecer por completo a ingenuidade que ainda restava dos meus 20 anos.
Voltei a pé do Sírio até a minha casa na Oscar Freire. Quando saí da UTI, tomado por uma desolação desconhecida por mim, resolvi não encarar pessoas no elevador e já na escada de incêndio telefonei para a Michele, querendo dividir aquilo tudo. Mas quando cruzei a Paulista e comecei a descer aquela ladeira enorme a emoção me tomou de assalto. E eu, tão avesso a chorar em público, tive que me esforçar para manter o rumo no meio do pranto que me cegava, enquanto as pessoas me encaravam com pena.
Eu ainda iria mais três vezes te ver no hospital, entre uma viagem e outra. Na primeira delas estavam sua mãe e a Maria, funcionária doce e leal da família. Novamente eu havia chegado ali a pé, vindo do escritório do Mostra de Cinema, onde eu fora buscar o cartaz do meu filme (isso é o verdadeiro cinema independente, não é mesmo?). Meio sem graça, tirei o cartaz do rolo e te mostrei. Você, com o pouco fôlego que lhe restava, foi imperativo: "Coloca aí na parede". Que bom saber que a imagem bela e etérea daquele casal de jovens à beira-mar possa ter te dado alguma paz e conforto estético no seu último mês de vida.
Neste mesmo dia sua mãe retirou-se e Maria foi dar uma volta. Ficamos sozinhos, pela última vez. E resolvi te contar coisas que nunca havia dito, apesar da nossa amizade tão estreita (você, sempre um cavalheiro, jamais ousou invadir a privacidade alheia). Mas naquela tarde, sozinhos, dividi contigo algumas intimidades divertidas. E você sorriu, de súbito ficou mais alerta, acho até que ganhou um pouco de cor na pele. E seu olhar cúmplice me deixou muito feliz, pois soube que mesmo no fim nossa amizade se fortalecia. Depois, enquanto assistíamos televisão (esse martírio da vida hospitalar), eu resolvi comentar o que estávamos vendo. Era uma cena da Maitê Proença, em alguma produção televisiva de época. Infelizmente não era Dona Beija, porque se fosse, até você ia ter se deleitado com aquelas cenas de nudez sob uma cachoeira em Araxá. Não, era qualquer coisa mais recente. Perguntei, meio retóricamente, "O que é isso que estamos assistindo"? E você, sempre tão você, respondeu com aquele tom sarcástico inimitável: "Gente trabalhando mal". Ah, Zara... Quem vai me fazer rir desse jeito agora?
Na minha terceira visita levei o Paulinho. Eu já havia passado pelo choque inicial, portanto para mim ir te ver no Sírio não era um martírio, muito pelo contrário. Era um prazer, um privilégio, como sempre foi, estar perto de você. Mesmo que você estivesse tão frágil, mal podendo falar, inerte numa cama. Mas a cara assustada do Paulinho! Falamos de amenidades, comimos muito chocolate e você parecia melhor, até fumou teu cigarrinho, ali mesmo, no leito hospitalar. E pensar que sob o manto de sofrimento em que você se encontrava, jamais emitiu uma reclamação. Ali eu soube que você possuia mais uma entre tantas virtudes: você era estóico Zara, como correspondia a um descendente desse teu forte povo milenar, os árabes.
A quarta visita eu fiz com a Barbara. Prefiro nem lembrar. Você padecia, aparentava não estar lá. Passamos horas juntos naquela tarde de domingo ali com você, até a hora de dormir. Naquela semana embarquei para Buenos Aires, para realizar um sonho: mostrar o filme para a minha querida família e para a equipe argentina no Malba, aquele museu tão lindo. Só não foi mais incrível porque uma tosse, certamente causada por estresse e excesso de tabaco, mal me deixava falar. No dia seguinte à projeção voltei para São Paulo, e naquela mesma noite embarcava para Portugal, onde seria jurado de um festival de cinema. Entre um vôo e outro, preocupado por minha saúde, liguei para o médico. Era domingo. O Masuda pediu que eu fosse imediatamente ao Sírio me consultar com sua assistente e fazer os exames correspondentes, já que eu não poderia viajar naquele estado. Depois de passar por aquele (leve) sofrimento, tão ínfimo se comparado ao que você passou, fui ao décimo andar te ver. Seu quarto estava vazio. Só não temi pelo pior porque a teia de afetos que te cercava não havia me informado de nada mais grave. O enfermeiro me disse que você estava na UTI. Lá chegando encontrei Maria, fiel escudeira, que me disse que você tinha contraído uma pneumonia e não podia receber visitas. Confesso que viajei aquela noite com o coração apertado. Muito mesmo. Mas por sorte meus dez dias em Portugal, deliciosos, passaram sem nenhum telefonema trágico. Assim que voltei liguei para a Barbara:
"Você acredita que aquele beduíndo desgraçado está em casa?"
"Como assim Barbara?" - gritávamos de alegria.
"Sim, estive com ele hoje à tarde, ele está muito feliz! Liga no celular dele".
Teu celular havia sido roubado no hospital, mas disquei 9656-9696 ("telefone de puta!") e você atendeu com uma voz surpreendentemente boa (inclusive com sua melhor dicção em anos!)
"Quer vir almoçar aqui amanhã?"
Eu mal podia acreditar no que estava ouvindo.
"Vai ter couscous. Só os íntimos. A Monique e a Bárbara vêm"
E lá fomos, Monique e eu, para a sua casa, naquele sábado de sol. De repente parecia que os últimos meses tinham sido apenas um pesadelo. Lá estavam os gatos, a Maria, a música, a pilha de Marlboros na sua cama... e você, presente. Alegre por estar de volta ao lugar que mais amava: sua casa.
Quando a Maria nos chamou para almoçar, a Monique perguntou quais eram seus planos. Era evidente que a pergunta, tão perfeitamente compreensível (mesmo se desnecessária), se referia ao seu estado de saúde (que, todos agora sabíamos, era irreversível, a não ser por um milagre). Você nem se abalou e respondeu:
"Comer um couscous"... Ah Zara. Só você.
E assim foi nosso último almoço. Tudo perfeito: o cousocous com camarão, delicioso, a mesa, com seus talheres de prata, impecável, e o papo, divertidíssimo como sempre. A Barbara chegou, a Letícia tava lá, demos muita risada. De sobremesa um bolo de bem-casado dos deuses, depois cafezinho e você e eu fumamos nosso cigarro. Ainda ficamos um tempo na sala de molho e depois levamos você até a cama, para descansar.
O natal e as férias estavam muito próximos, mas eu estava confiante de que aquela não seria a última vez que nos veríamos. Você estava sereno. Foi uma tarde feliz para todos nós.
No dia 23 de dezembro de madrugada chega uma mensagem de texto. Eu já estava em Pelotas. Era da Michele: "Zarif voltou para a UTI, está muito mal." Não dormi direito e quando o telefone começou a tocar de manhã, eu, debaixo dos lençois, segurei a cabeça. Os nossos amigos, todos tão leais, todos que te queriam tão bem, estavam ligando. Vânia, Michele... Saio da cama. O telefone toca novamente. Atendo. Do outro lado da linha Paulus, aos prantos. Parecia um bebê. Choramos juntos. Mas eu estava longe e tudo parecia sem sentido. Desliguei e fiz as contas na cabeça, constatando que era humanamente impossível voltar a São Paulo a tempo para o seu enterro. Se eu tivesse dinheiro suficiente juro que teria alugado um jato. Meu natal passou em branco. Apenas meu corpo estava em Pelotas, aquela noite na fazenda da vovó (que, meio gagá aos 93 anos, estava num estado semelhante ao meu).
Você partiu há exatos 33 dias (porque foi de manhã, mais ou menos a esta hora). Confesso que o ar, o céu e o vento uruguaio muitas vezes conseguiram ocultar a lembrança da perda para que eu tivesse umas férias mais amenas. Mas nos momentos mais lúdicos e telúricos eu pensava em você e desabava a chorar. Num fim de tarde, vendo o sol se pôr, cercado de afeto, comecei a falar de você. E então chorei, quieto, enquanto o astro-rei se escondia sob aquelas águas misteriosas que não sabemos ao certo se vêm do atlântico ou do Rio da Prata. No primeiro dia do ano, em companhia de Esteban, ator do meu filme (e amigo dos mais queridos) e de um casal de músicos, aconteceu de novo. O rapaz -pianista que foi garoto prodígio na Polônia- começou a tocar todo o repertório do Chopin no Steinway do meu pai (dos poucos luxos que ele se deu, mesmo sem saber tocar piano). Só saberia no dia seguinte eu soube que aquele moço, de 28 anos, não tocava Chopin desde que tinha sete! Mas com que destreza ele pressionava aquelas teclas, com que sensibilidade, de causar inveja a Nelson Freire! Imediatamente me lembrei de você e as lágrimas começaram a despencar dos meus olhos. Como você apreciaria aquilo! Além de você, poucas outras pessoas que me rodeiam entenderiam a beleza e a importância daquele momento, daquele polonês ali, tocando um Steinway, perdido entre as palmeiras de Rocha, no Uruguay.
E então eu me lembrei de outro bordão seu, nosso Oscar Wilde pós-moderno:
"Viver vale a pena."
Despedir-me-ei (invenção), Zara. São sete da manhã. Acredito que quando eu acordar, na contramão do mundo, minha dor vai ter se transformado numa sede de viver daquelas, na tentativa de irradiar à nossa volta beleza, sabedoria e fino humor. Não tenho a pretensão de fazê-lo tão bem como você fazia. Alguns nascem artistas, outros aprendem. Tantos outros tentam e nunca chegam lá.
Mas nestes dez anos de convívio eu aprendi. Você ensinou, e eu aprendi. Você foi o maior artista que conheci, Zara. Sua vida foi sua maior obra de arte. Imprevisível, bela, atormentada, ampla, generosa, inquieta, espontânea, como toda arte verdadeira deve ser.
A Barbara colocou no Facebook (do qual, aliás, você nunca fez parte) que você já deve estar íntimo de Leonardo da Vinci. Eu não tenho a menor dúvida! E espero que você guarde um lugar aí pertinho de você para retomarmos a conversa de onde paramos, tá?
Abraço apertado do seu amigo eterno,
Charly
PS- Obrigado, Zara. Por tudo e por tanto!
Pelo carinho, pela compreensão... Pela sabedoria!
Por ter me apresentado aos seus amigos mais queridos, a Monique, a Bia, a Maria, o Cacá, o Augusto, o Paulus, a Erika (a Barbara e a Vânia eu já conhecia, viu?)
Por todas as pessoas do Rio Ota, meus amigos do peito, que conheci de certa forma graças a você... Em suma, 80% dos meus amigos mais amados eu devo a você, de um jeito ou de outro.
Obrigado pelos almoços deliciosos, pelos jantares, obrigado por me deixar pagar a conta às vezes e me convidar nos momentos em que eu estava duro e não poderia te acompanhar de outro modo....
Obrigado por ter me apresentado ao Shintori, ao Samurai, ao Ritz, à Dedge, ao Vegas, ao Clash, à Torre, ao Xingu,, à Lions (fomos juntos na inauguração, lembra? Com o Pedro, meu irmão) e tantos outros lugares!
Por ter vindo ao jantar que eu dei no final de temporada da peça, mesmo que você nunca tenha vindo aos meus aniversários...
Obrigado por ter me levado às festas do Andrucha, como foram divertidas!
Pelos TIM festivals que vimos juntos, pelos shows do Arnaldo, da Marisa e tantos outros...
Obrigado por ter me ensinado quem eram tantos diretores, escritores, compositores, cantores, autores, pintores...
Pela maneira gentil e generosa com que você tratou a minha família, o carinho e apreço que você tinha pela Guilhermina...
Obrigado pela nossa última temporada no Rio, tramando do alto do teatro do jardim botânico, enquanto sua afilhada aflorava naquele belíssimo espetáculo...
Pelas conversas profundas e esclarecedoras, jogados em qualquer um dos sofás do seu apartamento...
Obrigado pelo final de semana na fazenda... eu sempre tão preguiçoso podia ter ido antes, e mais vezes, foram tantos os convites! (E pena que você tampouco aceitou os meus para ir à Pelotas e ao Uruguai).
Pelas vezes que vimos qualquer porcaria na TV, dando tantas risadas... Eu nunca entendi como alguém que sabia o que era TV Fama podia ser tão absurdamente culto, mais um dos seus tantos paradoxos.
Obrigado pelas festas! Segundo o Tony e o Paulus eu perdi os roaring nineties no Itaim... Mas fui a tantas outras! A que você deu para a equipe e o elenco da Bia e da Maria, que maravilha! E quando eu te cutuquei e disse, "Zara, o Sting tá aí"... e você, "Que Sting?" "Porra Zara, o cantor, The Police, helloo"... "Aonde?" Eu te mostrei. "Imagina, não é ele não." Só nas festas de Fernando Zarif podia aparecer um Sting de penetra....
E no seu último aniversário, de 50 anos? Você já doente (disfarçando e bebendo bem), depois da Lions fomos todos para a sua casa... Lá pelas oito da manhã, com um elenco mix de Fellini, Almodovar e David Lynch, você sorrateira e elegantemente se retirou para o quarto... e eu para casa.
Obrigado pela sua lealdade canina aos amigos de quem você realmente gostava (e você, como poucos, sabia identificar os utilitários e alpinistas).
Você é a única pessoa que eu conheço que jamais falou mal de um amigo. Never. Nem da arte deles. Tudo que Bia, Andrucha, Monique, Arnaldo (qualquer um dos Titãs), Marisa, Calcanhoto, Marina, Paulus, Toni, Michele, Barbara, Vânia, Tunga, enfim, tudo que qualquer um de nós fizesse era bom e aprovado. Claro fiquei que você admirava o talento, mas todos já deslizamos aqui e ali... e você nunca nos repreendeu.
Em suma, pela sua generosidade infinita...
Só lamento que você tenha se esquecido de me dar uma obra sua qualquer, para que daqui até o fim dos meus dias eu tivesse a presença física do seu talento à minha volta. E lamento que eu, sempre tão respeitoso, não tivesse pedido a você, assim, direto.
Você podia ter ficado mais. Não quis, não pôde. Talvez a vida tenha sido um pouco injusta contigo (ela é injusta com a grande maioria de nós, não é mesmo?)
Porque você deu ao mundo mais do que ele deu a você, que merecia ter vivido um grande amor, que talvez o tivesse aterrado aqui conosco por mais tempo...
Mas você nunca reclamou de nada. Estóico e pragmático, soube desfrutar das maravilhas, do seu talento enorme, da sua inteligência arrebatadora, do conforto material que o acaso te deu desde o berço, dividindo estes e tantos outros privilégios com todos à sua volta. E dando muita risada, sempre! Levo comigo o som inconfundível da tua risada!
R.I.P. mon cher, cher ami.

quarta-feira, 17 de março de 2010

MELHORES DO CINEMA NACIONAL 2008/2009

OBS- Dado o atraso desta publicação (afinal, a premiação é para filmes lançados em circuito no ano de 2008), informo que a enquete não foi realizada no ano de 2009, mas para supri-la faço uma listagem de alguns dos destaques do ano ao final do texto.

 

Com grande atraso venho postar o resultado do meu “prêmio” do cinema nacional. O atraso deve-se, em grande parte, ao prolongado empate em algumas categorias-chave, cujo desempate tentei garimpar com novos eleitores ou votos atrasados. Como isso não ocorreu, postarei-os mesmo assim, mas este ano um pouco desiludido com a coisa toda. Explico.

Sinto que há na nossa classe (a do cinema) uma espécie de cisão (por falta de termo melhor), onde realmente pensamentos e idéias não convivem muito bem umas com as outras. Embora exista ainda uma pluralidade no tipo de filme que se faz no Brasil hoje, tanto temática quanto esteticamente, existe pouca apreciação de um grupo por outro, o de uns grupos por outros. É como se pólos absolutamente opostos de pensamentos não dialogassem e nem fizessem o menor esforço para tal. Tentarei exemplificar.

Este ano houve empate na categoria de melhor filme. Não foi a única, mas achei que não era saudável que o empate ocorresse também na principal categoria. Os filmes em questão são Meu Nome Não é Johnny  e   Linha de Passe. Embora em algum ponto seja possível encontrar uma base temática parecida (pois um fala de exclusão e o  outro aborda um aspecto daquela que vêm a ser a face mais violenta dela– o tráfico de drogas, mesmo que sob a ótica de um menino “bem nascido”), são filmes que diferem bastante em outros aspectos. À margem do gosto de cada um, ambos os filmes possuem inegáveis virtudes. Mas encontram-se, em alguns aspectos, em dois pólos opostos no que diz respeito a uma visão de cinema nacional (e isso não é uma opinião da qual compartilho).

Um dos críticos que convidei para participar desta enquete educadamente declinou minha solicitação, alegando que não acreditava na validade destes prêmios. Tentei convencê-lo de que iniciativas do tipo eram importantes, já que de um jeito ou de outro estimulam a discussão e valorizam nosso trabalho, que culturalmente (no que tange à sua capacidade de dialogar com uma maioria da população) tem perdido valor ano a ano. Ele argumentou, inteligentemente, que prêmios deste tipo acabam por privilegiar um cinema de mercado, pois mesmo tendo entre os indicados filmes mais “marginais” (por falta de definição melhor), as pessoas que votam raramente viram tais filmes, e acabam vencendo os filmes que foram mais vistos. Existe alguma verdade aí, inegavelmente. Se pensarmos nos dois vencedores deste ano, um deles foi também a maior bilheteria de 2008 e o outro é dirigido por nosso mais notório cineasta, ou seja, por mais que não se trate de um filme comercial (na definição mais vulgar da palavra), a “classe” assistiu majoritariamente, por tratar-se de um filme de Walter Salles. Ano passado o vencedor foi Tropa de Elite, filme que conseguiu também ser de fato um sucesso popular, graças à pirataria (fenômeno que não ocorreu com Johnny, que não foi um “hit pirata” e ainda não saiu dos restritos mercados das salas de cinema, DVD’s e TV fechada).

Mas ainda assim acho que existe no seleto grupo que elegi para votar uma certa parcela mais preparada e aberta a todo tipo de filmes. Em 2006 foi o Céu de Suely quem abocanhou a maior quantidade de prêmios (embora seja verdade que aquele ano careceu de um blockbuster  de qualidade).

Enfim, perdi-me um pouco no relato mas vejo claramente que temos, de um lado, uma parcela de produtores, de “gente de cinema” que vê como primordial que se pense em cinema como sendo uma “coisa de mercado”. Do outro lado um grupo que rechaça completamente este tipo de pensamento, valorizando principalmente os chamados “filmes de arte” ou filmes de autor (Bressane sendo o papa de muitas destas pessoas).

Como este blog é um espaço onde gosto de emitir as minhas opiniões, penso que de ambos os lados parece haver um radicalismo que acaba não sendo coerente com uma cinematografia como a nossa, que mal ou bem é das mais heterogêneas que existe. Posso reconhecer os logros de um filme como Johnny  assim como também os de um filme como Linha de Passe ou Céu de Suely. Claro, posso preferir um filme a outro também (e como organizador este forum não seria ético revelá-las aqui) mas o fato de um filme fazer sucesso não necessariamente o descredita (e vice versa). Veja bem, não acho que existe esse nível de preconceito, mas acho sim que há algum preconceito, em menor nível, tanto de um lado como do outro.

E tudo acaba resvalando numa questão maior, que é o fator subjetivo. As pessoas em geral são muito “donas da verdade”, e a na nossa classe esta tendência parece estar acentuada. Quando vemos um filme sempre trazemos junto, enquanto críticos (que todos somos, já que na saída de qualquer filme pergunta-se para o amigo, a namorada, o colega,  “e aí, gostou”?) a nossa bagagem. Quem somos, o que nos interessa, a educação que tivemos, o nosso humor naquele dia, enfim, tudo acaba moldando a opinião que teremos ao nos deparar com uma obra de arte. Ok, poderíamos dizer que nem todos os filmes são (ou até aspiram ser) uma obra de arte.  Por outro lado nem tudo é subjetivo, evidentemente. Mas se ficarmos apenas no âmbito artístico, é impressionante o quanto o cinema parece ser um meio que permite maior subejtividade do que a musica, or exemplo, ou as artes plásticas. Qualquer pessoa com uma musicalidade e educação mínima aprecia Beethoven, por exemplo. Pode preferir Stravinsky, ou Schubert, ou os Beatles, mas sentirá estar diante de uma grande obra ao ouvir a nona sinfonia. Pessoas do mundo inteiro se despencam até o Prado, em Madrid, para ver o Guernica de Picasso. Mas quantas pessoas esclarecidas, por exemplo, detestam Antonioni, ou muitos dos filmes de Fellini, ou Cidadão Kane, Chaplin, enfim. Em se tratando de cinema, realmente não existem unanimidades. Nem mesmo quando falamos de filmes ruins.

Como estou terminando meu primeiro longa, esta questão toda está latente em mim. Durante o processo de montagem convoquei algumas pessoas, de diferentes backgrounds, para assistir o filme (em diferentes cortes) e conseguir assim sentir como aquele história tocava as pessoas. Passei quase um ano montando, apenas eu e Fernando Coster, o montador, e num determinado momento achei que fosse importante (e foi) ir sentindo como o filme reverberava em outros. E assim descobri (o óbvio, mas neste momento estamos carentes e cegos à obviedades assim) que as pessoas gostavam (ou não) em maior ou menor grau. E num determinado momento comecei a não ouvir a maior parte delas, pois na maioria das vezes tratava-se simplesmente de uma opinião, completamente subjetiva. Quase todas estas pessoas puderam somar alguma coisa útil ao processo, mas muitas vezes o que eu ouvia em nada poderia somar àquilo que eu estou realizando.

E fui assim ficando mais consciente desta questão, que é a diferença (enorme) de opiniões que parecem povoar ainda mais o cinema nacional do que outras cinematografias (no que diz respeito à opinião da nossa classe) ou de qualquer assunto mesmo. No festival do Rio isso novamente apareceu como algo marcante em minha experiência de ver e ler sobre os filmes da Premiere Brasil. Luiz Carlos Merten, por exemplo, deixou claro o quanto achava que  Natimorto  havia sido injustiçado, ao não receber nenhum prêmio do júri (filme este que ele considerava, disparado, o melhor da competição). Mas o fato é que aquelas poucas pessoas que compunham o júri resolveram por não dar a Natimorto prêmio algum. E Merten, no caso, não é o único fã de Natimorto. A inversa pode ser observada no caso de Os Famosos e os Duendes da Morte, que levou o prémio de melhor filme do júri, mas também tinha lá seus detratores.

Perdoem-me se já perdi um pouco o foco. Não sei porque adentrei nesta questão da subjetividade. Acho que estou um pouco frustrado com os empates e com a sensação de que o trabalho para organizar esta enquete acaba não sendo válido, pois existem opiniões tão divergentes e pontos de vista tão opostos que iniciativas como a minha, mais que unir-nos, acaba por separar-nos.

E intuo que estas visões tão conflitantes tem um pouco a ver com a dificuldade de se fazer cinema no Brasil e a competição pelos recursos, nunca suficientes para fazer tantos filmes, de tantos diretores. Acredito que de um lado as pessoas mais “do mercado” ressentem-se de perder editais para o pessoal mais “cabeça”, e de outro o pessoal “cabeça” irrita-se com o fato de que o dinheiro de artigo terceiro vá, quase que exclusivamente, para os tais “filmes de mercado” (aliás parabéns à Warner pela notável exceção de, justamente, Os Famosos...). Parece que no fim não há espaço para todo mundo (ou há?).

Mas aí entraríamos numa outra discussão mais longa e profunda, e estamos aqui para fazer uma festa aos nossos filmes e ao nosso cinema. Então chega de blá blá blá e vamos aos resultados!

 

MELHOR FILME: Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas e Meu Nome Não é Johnny, de Mauro Lima, seguidos por Chega de Saudade, Estômago e Última Parada 174.

Walter Salles fez um filme, segundo ele, “sem concessões” (em sua sempre bem sucedida parceria com Daniela Thomas). Entre os eleitores desta enquete, muitos são fãs declarados do filme, enquanto alguns consideram-no um filme frio, desprovido de emoção, ou “mais do mesmo”. Johnny talvez não desperte opiniões tão fortes, mas trata-se de um filme de qualidades inegáveis, que conseguiu cair no gosto popular, e assim pelo segundo ano consecutivo o prêmio de melhor filme vai para um grande sucesso de bilheteria. Vejo isto como um bom sinal , à margem de qualquer opinião minha pessoal com relação aos filmes em questão. Fazer filmes de qualidade que também agradem ao publico é algo positivo, já que em geral blockbusters (sobretudo se pensarmos na Hollywood recente) muitas vezes são filmes formatados pelos gerentes de marketing dos estúdios americanos.

 

MELHOR DOCUMENTÁRIO: Serras da Desordem, de Andrea Tonacci, seguido por O Mistério do Samba, Juízo, Pan-Cinema Permanente e Pindorama.

Não posso comentar detalhadamente esta categoria já que não vi alguns dos indicados. Posso apenas dizer, baseado no que vi, que continuamos a fazer documentários da mais alta qualidade, superando muitas vezes (se pensarmos em cinema do mundo todo) a qualidade dos nossos filmes de ficção. Serras da Desordem é uma obra-prima, um filme notável que infelizmente foi pouco visto.

 

MELHOR DIRETOR: Mauro Lima, Meu Nome Não é Johnny (para lista completa dos indicados, ver post antigo)

Embora este não seja o primeiro longa de Mauro Lima (trata-se do quinto, mas apenas o segundo a chegar nas salas de cinema) para o público em geral e até para a maior parte da classe, é como se fosse. O talento do relativamente jovem diretor é evidente, e em grande parte por causa dele um filme que poderia ter sido “de encomenda” acabou por transformar-se num certo fenômeno de 2008. Talvez por isto Mauro Lima tenha levado este prêmio, em disputa muito acirrada com a dupla Walter Salles e Daniela Thomas.

 

MELHOR ATOR: João Miguel, por Estômago

É bem provável que se eu tivesse começado a organizar a enquête um ano antes João Miguel tivesse levado o prêmio pela sua notável atuação em Cinema, Aspirinas e Urubus. Finalmente este ano, após se consolidar como um dos grandes novos talentos do cinema brasileiro ele leva o prêmio por uma composição inteligente e divertida como o cozinheiro em Estômago, desbancando o sempre brilhante Selton Mello (que ficou com o segundo posto pelo carismático trabalho em Meu Nome Não É Johnny). Vale notar a inclusão de um trabalho pouco visto, mas que rendeu o prêmio APCA ao jovem e talentoso Gustavo Machado, cada vez mais presente nas nossas telas e nos nossos palcos.

 

MELHOR ATRIZ: Leandra Leal, por Nome Próprio

Foi uma disputa acirrada que acabou por reconhecer o extraordinário trabalho da (muito jovem) Leandra Leal, que chega a idade adulta com uma impressionante bagagem de importantes trabalhos realizados no cinema, na televisão e no teatro. Sandra Corveloni, vencedora no festival de Cannes, e Darlene Gloria em volta triunfal estiveram perto, mas o prêmio vai para Leandra, que assim acaba com a hegemonia de Fátima Toledo, que estava por trás de três dos quatro vencedores no prêmio de melhor ator/atriz dos últimos anos.

 

MELHOR ATOR COADJUVANTE: Stepan Nercessian, por Chega de Saudade

Um dos muitos méritos do filme de Lais Bodansky é justamente dar uma oportunidade a uma série de bons atores “da antiga”. Stepan Nercessian é um ator que começou sua carreira fazendo muito cinema, e há muito tempo ficou em segundo plano na Globo, uma pena. O novato Kaique Brito, de Linha de Passe, foi muito lembrado também (aliás todos os irmãos no filme fazem um belo trabalho, dando àquela família uma credibilidade impressionante).

 

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Andréia Beltrão, por Romance

Beltrão, atriz que raras vezes aparecia nas nossas telas, leva novamente o galardãose consagra bi-campeã (ano passado levou por Jogo de Cena) e já desponta como forte candidata à enquete deste ano (se houver), pelos tranalhos em Verônica e Salve Geral. Uma atriz que sempre dá grande humanidade às suas personagens, teve como acompanhantes na categoria a bela Djin Sganzerla (vencedora no festival de Brasília) e a sempre excelente Cássia Kiss (por Chega de Saudade).

 

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL: Cláudia Da Natividade, Fabrízio Donvito, Lusa Silvestre E Marcos Jorge, por Estômago.

Também bem lembrados nesta categoria Linha de Passe, Chega de Saudade e curiosamente o documentário Juízo.

 

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO: Mauro Lima e Mariza Leão por Meu Nome Não é Johnny.

Um belo trabalho de adaptação, deixou para trás o interessante Nome Próprio, filme oriúndo de textos e blogs.

 

MELHOR FOTOGRAFIA: Mauro Pinheiro por Linha de Passe.

Terminando com a hegemonia de Walter Carvalho (indicado este ano novamente duas vezes, por Cleopatra e Chega de Saudade), Mauro Pinheiro firma-se como um dos grandes diretores de fotografia da atualidade.  Interessante notar que se Walter pouco a pouco mais dirige que fotografa, deixa um sucessor à altura: Lula Carvalho ganha sua segunda indicação por um belo trabalho no filme Feliz Natal.

 

MELHOR DIREÇÃO DE ARTE: Renata Pinheiro por Feliz Natal.

Indicada anteriormente por Baixio das Bestas, Renata Pinheiro também é um nome a se acompanhar, por seu trabalho elegante e sutíl. Destaque para a excelente resconstituição de época (e época recente, o que parece fácil, mas não é) de Claudio Amaral Peixoto em Meu Nome Não é Johnny. Marcos Pedroso, vencedor no passado, também brilhou por seu trabalho em Chega de Saudade.

 

MELHOR MONTAGEM: Gustavo Giani e Lívia Serpa por Linha de Passe.

Ambos jovens e competentíssimos (Serpa quase levou ano passado por Santiago e Giani destacou-se em filmes como Baño del Papa), talvez marquem tendência por serem os únicos nesta categoria a terem trabalhado em dupla. O mesmo aconteceu nos Oscars deste ano (onde um casal levou por Hurt Locker), e Avatar contava também com três montadores. Vale destacar mais uma vez o excelente trabalho de Paulo Sacramento, que consegue ser também um prolífico produtor, de Cristina Amaral (pela obra-prima Serras da Desordem) e o sempre inventivo Cao Guimarães.

 

FIGURINO: Andrea Simonetti por Chega de Saudade.

Categoria das mais disputadas, Simonetti leva por pouco, seguida por Fábio Namatame (Onde Andará Dulce Veiga) e Cao Albuquerque (Romance).

 

TRILHA SONORA: Fabio Mondego, Fael Mondego, Marco Tommaso e Mauro Lima, por Meu Nome Não é Johnny.

Inegável o mérito do diretor Mauro Lima e seus comparsas em criar uma trilha que serve à trama como poucas e é grande responsável pelo ritmo ágil do filme. Conseguiu desbancar o sempre bom (e duplamente vencedor do Oscar) Gustavo Santaolalla, em mais uma notável parceria com Walter Salles, o o brasileiro radicado nos EUA Marcelo Zarvos, que fez um excelente trabalho em Última Parada 174.

 

MELHOR SOM: som direto George Saldanha, ES François Wolf, Mix Armando Torres Jr., por Meu Nome Não é Johnny 

Assim como a trilha, o som de Johnny é um dos grandes destaques do filme. Bem gravado, bem concebido e bem acabado, faz com que o filme brasileiro em nada deva aos bons filmes americanos em matéria de som. Destaque também para Chega de Saudade, que alia com primor seus (muitos) números musicais num filme cheio de bons diálogos.

 

Prêmios por Filmes:

Meu Nome Não é Johnny, 6

Linha de Passe, 3

Estômago e Chega de Saudade, 2

Feliz Natal, Serras da Desordem, Nome Próprio e Romance, 1

 

DESTAQUES DE 2009

Como os caros leitores puderam perceber, não houve ao final enquete em 2009. Mas foi um ano de bons filmes. Vale ressaltar os mais marcantes.

Andréa Beltrão- Como previsto, brilhou em dois filmes: Verônica e Salve Geral.

Denise Weinberg- Excelente atriz, a muito tempo conhecida, vinha ganhando espaço no cinema até ganhar destque por uma brilhante atuação em Salve Geral. Vale lembrar que Sergio Rezende já escala Weinberg há algum tempo. Rezende, bom diretor de atores, merece ser lembrado por filmes permeados de grandes interpretações: vide Wilker em O Homem da Capa Preta, Paulo Betti em Mauá e mais recentemente Patrícia Pillar em Zuzu Angel.

Matheus Natchtergaele- Uma dos mais impressionantes debuts na direção cinematográfica da retomada nacional, Matheus fez A Festa da Menina Morta, um filme belo e sem concessões.

Daniel de Oliveira- Se já havia sido brilhante em Cazuza, Daniel de Oliveira consegue se superar dando vida ao complexo Santinho em A Festa da Menina Morta.

Lula Carvalho e Renata Pinheiro- Também por criar uma atmosfera onírica e belíssima em A Festa da Menina Morta.

José Eduardo Belmonte- Com seu melhor filme, Se Nada Mais der Certo, Belmonte conquistou muitos prêmios por seu excelente trabalho na direção de um bom roteiro seu, bem montado por ele. O filme também tem ótimas interpretações.

Titãs, a Vida é uma Festa e Simonal, Ningém Sabe o Duro que eu Dei- Dois fantásticos documentários musicais. De um lado o divertido, irreverente e frenético (como a banda) Titãs, sensível e amoroso filme de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves, fornecendo também um belo painel do geração 80. De outro o honesto e afiado Simonal, que nos fornece também um painel da década de 60 e 70.

Gregório Duvivier- Alma do simpático Apenas o Fim, revela-se um novo talento como ator e como roteirista. Embora não assine o roteiro do filme, fica claríssima a sua contribuição como improvisador, com diálogos divertidos e inteligentes.

Selton Mello- Mais uma vez, nosso grande ator de cinema mostrou sua versatilidade em três diferentes e ótimas interpretações nos filmes Erva do Rato, A Mulher Invisível e Jean Charles.

Jean Charles- Um filme sensível, bem dirigido e inteligente, merecia ter feito mais sucesso nas bilheterias.

É Proibido Fumar- Grande vencedor do Festival de Brasília, trata-se de um filme completo: roteiro e direção afiados, Glória Pires em estado de graça e mais uma vez uma decepção não merecida nas bilheterias.

 

domingo, 2 de agosto de 2009

Exercício n. 2: Formas Breves

Durante a minha breve passagem pelo Rio de Janeiro fui duas vezes assistir ao (ótimo) espetáculo, ou "quase não-peça" Exercício n. 2: Formas Breves, de Bia Lessa. Os meus três ou quatro leitores devem saber que ando com uma certa preguiça de teatro em geral, e desde a última vez em que estive num palco como ator (há dois anos, em Os Crimes de Preto Amaral) tampouco tive muita vontade de voltar a fazer teatro. Pois tudo isso foi revisto ao me deparar com esta pequena jóia, que une fragmentos de livros de diversos autores (Dostoiévski, Tchecov, Thomas Bernhard, Kafka, Sérgio Sant’anna, André Sant’anna, Anaïs Nin, Pedro Almodóvar, Walt Whitman, Antonin Artaud, Elias Canetti, Bertold Brecht, Ian MacEwan, Marguerite Duras, Honoré de Balzac).
A experiência deve sua força a duas razões:
1- O espetáculo: unindo os tais fragmentos a uma encenação inspirada e original, Bia Lessa (aqui com a habilidosa costura dramatúrgica de sua filha, a física Maria Borba) consegue momentos de alto impacto emocional. Apesar de não ter uma "história", a emoção se faz presente em vários momentos ao misturar imagem, som e palavras de uma maneira que deveria servir de inspiração ao teatro que comumente se vê por aí. Alguns dos fragmentos são projetados, destacando ainda mais a força e a qualidade dos textos escolhidos. A iluminação, a música e a mise-en-scene em determinados momentos atinge uma beleza realmente sublime, que por si só já me causaria comoção. Aliadas à cuidadosa escolha dos textos e a um elenco jovem e dedicado, transcende.
2- O lugar: Reconheço minha enorme ignorância, mas desconhecia a existência de um teatro em pleno Jardim Botânico. Pois bem, trata-se de um verdadeiro acontecimento. Na sexta-feira em que fui pela primeira vez confesso que fiz um certo esforço, pois chovia torrencialmente na cidade e eu estava com uma significativa ressaca. O táxi que me levava se enganou e me deixou a cem metros do portão que dá acesso ao teatro. Mas a caminhada (de uns trezentos metros) entre a rua Jardim Botâncio e o teatro foi memorável. A chuva a pouco havia cessado, e uma verdadeira orquestra sinfônica de sons de mata atlântica me fez companhia por entre árvores centenárias, perfumadas de um cheiro que, mesmo para quem não mora em São Paulo, comove. À beira do caminho casarões da melhor estirpe de arquitetura colonial (e também do fim do século 19) brotavam silenciosos e imponentes. O teatro, por fora, tem a fachada (ou a parte da frente) de época, belíssimo. Dentro, trata-se de um moderno e elegante teatro desprovido de palco italiano, onde de cara vemos o proscênio coberto de roupas pretas, que junto a pequenas cordas de aço darão encantamento ao espetáculo. Não conheço tantos teatros mundo afora, mas arrisco o palpite de que o teatro Tom Jobim, no Jardim Botâncio, deve facilmente ser um dos espaços teatrais mais encantadores do planeta. Conhecê-lo valeria a viagem. Ver, também, o espetáculo Exercício n. 2: Formas Breves, faz o programa ser imperdível. Em cartaz até o final de agosto. Corram!
*
Torço pelo sucesso de À Deriva na bilheteria. Por várias razões, mas principalmente porque validaria o investimento (inédito) de "dinheiro bom" de um estúdio americano em um filme brasileiro (no caso a Focus Features, braço "indie" da gigante Universal, através da competente produtora O2). Mas creio nunca antes ter visto tamanho racha na crítica de mídia impressa e "internética" (web? eletrônica? cibernética? quem acompanha!). Enquanto os três principais jornais escreveram críticas favoráveis (bom, segundo a Folha e Estado, boneco sentado aplaudindo, segundo O Globo), as três críticas dos sites Cinequanon e Revista Cinética (os de maior prestígio, em se tratando da internet) foram fortemente negativas. Taí algo a se pensar.
*
Foi um grande hiato em silêncio aqui neste blog. Imagino que ele esteja terminando. Prometo para esta semana os resultados da esperada enquete MELHORES DO CINEMA NACIONAL 2008. Os votos ainda estão chegando e, adianto, estão disputadíssimos, na categoria de melhor filme, entre Linha de Passe e Meu Nome Não é Johnny.

sexta-feira, 20 de março de 2009

As enchentes em São Paulo nunca deixam de existir...
Domingo realizo um sonho de longa data: verei Radiohead ao vivo.
Durante o show chegarei aos trinta.
Me assusta e excita.
Muitas incertezas me esperam.
Encontro-me cansado e feliz com um corte razoável de meu primeiro longa.
Moro no apartamento dos meus sonhos, não sei por quanto tempo ainda...
Mas quem sabe na vida o tempo que duram as coisas?


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Editando

Estou em pleno (mais pro fim, na verdade) processo de edição do longa. Em crise com o título, que por hora segue sendo POR EL CAMINO, prático mas óbvio. Tem sido um processo muito instigante, muitas vezes divertido e essencial para mim na conclusão deste filme que é praticamente um "one man show" (sem desmerecer todos os colaboradores, a maioria excelentes...). Mas de fato quem carregou mesmo esse filme nas costas (e no bolso) fui eu e apenas eu e sinto-me absolutamente no direito de chamar este filme de "um filme de" (curiosamente não costumo fazer isso nos créditos, embora tenha escrito, dirigido e produzido todos os meus filmes até hoje).
Venho feliz de 8 horas junto ao meu co-montador (sim, somos dois mas me referirei a ele simplesmente como montador) o sensível Fernando Coster e, tendo revisado já 60% do "juntão" (uma primeira junção, na ordem, de todas as cenas do filme já montadas) reduzimos o tempo total de 2h 36 min para 2h 12 minutos... O melhor é que temos feito isso sem maiores sofrimentos (para mim). Diretores são sempre apegados, mas neste caso, como trata-se de um filme recheado de elementos pessoais, pensei que não conseguiria me desvencilhar tão facilmente de certas cenas, certas imagens... Mas é impressionante como o filme vai nos falando, vai nos guiando neste duro processo de jogar tanta coisa fora... Algum dia falarei sobre edição da vida, um tema muito interessante a se discutir; estou editando a minha.
Em todo caso, mandarei posts eventuais informando aos meus 3 leitores de como anda o processo.